Além de ser uma ameaça à democracia, a greve armada de policiais militares de Pernambuco deixou a população civil à mercê da bandidagem. O mesmo oficialato que ensinou o caminho das pedras ao comandar uma paralisação idêntica em 1997 foi atropelado agora pelos subordinados. Tudo começou com uma tumultuada assembléia na sede da Associação de Cabos e Soldados, na tarde da quinta-feira 19. Oficiais e sargentos já tinham concordado com a proposta do governo de deixar para 31 de janeiro o aumento do piso salarial e só faltava obter o mesmo apoio dos “companheiros soldados”. Mas ninguém tinha combinado com a tropa, que exigia o aumento imediato do piso de R$ 500 para R$ 900. O que deveria ser uma simples ratificação das negociações virou um pesadelo.

Um grupo de praças, liderados pelo soldado Rubens, mais conhecido na tropa como “Hulk”, tomou o controle da situação e, aos gritos de “greve, greve”, conduziu os colegas em passeata pelo Recife até a praça da República, onde fica o Palácio do Governo. A soldadesca ocupou os jardins e armou acampamento para esperar a chegada, no dia seguinte, do governador Jarbas Vasconcelos (PSDB), que estava em Fortaleza. Começava assim a segunda greve da PM em quatro anos. E desta vez, ao contrário de 1997, os grevistas estavam armados. A cidade só não virou um caos porque o Exército colocou 1400 homens nas ruas garantindo a segurança do Recifolia, Carnaval fora de época que aconteceu no fim de semana.

Na primeira greve, toda a PM, de coronéis a soldados, aderiu ao movimento. E a primeira e saudável providência foi deixar as armas nos quartéis. O governador da época, Miguel Arraes (PSB), chamou as tropas do Exército para fazer a segurança da cidade. No final, uma anistia e um abono salarial encerraram o protesto. Jarbas, que foi discípulo de Arraes e hoje procura fazer tudo ao contrário do atual adversário político, deixou o Exército longe do palácio, mesmo com os grevistas a 50 metros de distância. Ao Exército coube somente policiar o Recife. Tudo estava calmo até terça-feira 24. Um grupo de PMs em greve trocou tiros com colegas em frente à Secretaria de Defesa Social, novo nome da Secretaria de Segurança. Os acampados se animaram e também trocaram tiros com a pequena tropa que protegia o palácio. Jarbas deu o troco na mesma moeda. “Não haverá negociações com amotinados, insubordinados, com bandidos de farda. Só tem conversa com a volta aos quartéis”, afirmou, cortando o diálogo de vez.

Entre os grevistas, enfraquecidos, a negociação voltou a ser o tema. “Queremos negociar, os atos de violência foram de uma minoria”, afirmou o soldado Moisés Filho, diretor da associação. O governo não cedeu. Para o general Jaime Juraszek, comandante militar do Nordeste, o episódio indica a necessidade de uma reestruturação das polícias em todo o Brasil. Na sexta-feira 27, menos de três mil PMs ainda se mantinham em greve e cerca de dez mil já estavam de volta aos quartéis.