"As minhas causas valem mais do que a minha vida." Não há preço para as causas abraçadas por dom Pedro Casaldáliga. Nem para a sua vida, defendida inclusive por Paulo VI, que fez chegar à ditadura militar o recado de que tocar no bispo seria o mesmo que mexer no papa. E foi por essa paixão às causas que Casaldáliga recebeu, aos 72 anos, o seu primeiro prêmio oficial: o título de doutor honoris causa, concedido, na terça-feira 24, pela Universidade de Campinas. Foi o reconhecimento por sua defesa intransigente dos direitos dos “pobres do Evangelho”. Por eles, Casaldáliga trocou, há 32 anos, a Catalunha, na Espanha, por um lugar perdido e violento, no coração do Brasil: São Félix do Araguaia (MT). Avesso à pompa, o bispo não se vestiu de doutor. “É a primeira vez que uma universidade concede um título desses a um rio, o Doutor Araguaia”, agradeceu, ao receber o título, diante do público que lotou o centro de convenções da universidade. “Me intitulo Doutor Passionis Causa. As paixões que podem justificar esse título são pela utopia, escandalosamente desatualizada no mundo de hoje”, constatou.

A contundência com que defende as suas causas continua a mesma. O bispo denuncia, por exemplo, que o MST está sendo alvo de uma campanha difamatória, alimentada pela mídia. “Se o MST não existisse, teríamos que criá-lo. Bendito seja o MST”, abençoou o bispo, que ganhou uma bandeira do movimento. Outro foco de atenção de Casaldáliga hoje é o rio Araguaia, ameaçado, segundo ele, pelo projeto de construção da Hidrovia Tocantins-Araguaia. Um dos símbolos da Igreja Progressista e da Teologia da Libertação, fundador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Casaldáliga, que além de bispo é poeta, também fez história por denunciar, em pleno governo Medici, a existência de trabalho escravo no País.

Em São Félix do Araguaia, com seus 150 mil quilômetros de conflitos de terra, onde cabem quase cinco Catalunhas, ele foi ameaçado de morte várias vezes por latifundiários, e viu o padre João Bosco ser morto, em 1976, por um soldado do Exército, dentro de uma delegacia, onde duas mulheres estavam sendo torturadas. Franzino, Casaldáliga continua a mesma fortaleza de sempre. Senão, como teria sobrevivido a atentados, às cinco ameaças de expulsão do Brasil por parte do regime militar, à convivência diária com os assassinatos patrocinados por fazendeiros, a oito malárias, à hepatite e às peregrinações que continua fazendo por sua prelazia?

Apesar da convivência com a morte – segundo a CPT, de 1972 até hoje foram assassinados 31 trabalhadores rurais em São Félix do Araguaia –, engana-se quem pensa encontrar um senhor amargurado ou cansado. Suas palavras são entremeadas por ironias e metáforas poéticas. Ainda restam três anos para Casaldáliga concluir a sua missão, já que os bispos são obrigados a renunciar aos 75 anos. Em depoimento ao jornalista catalão Francesc Escribano, que acaba de lançar o livro Descalço sobre a terra vermelha, Casaldáliga revela que a partir daí vai trocar São Félix do Araguaia por um mosteiro. “Mas teria que ser um mosteiro que não me distanciasse dos pobres”, concluiu.