Agora, a palavra de ordem é desconstruir o candidato tucano Geraldo Alckmin. A decisão foi tomada na segunda-feira 9, em reunião da cúpula da campanha petista, inclusive com ministros que entraram em férias para mergulhar na guerra eleitoral. Na reunião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era a personificação de um candidato enfurecido e indignado com o papel protagonizado na noite anterior durante debate na Rede Bandeirantes. Ele sabia que seria atacado, mas não estava preparado para o tom tão agressivo imposto pelo tucano. “Ele (Alckmin) foi hipócrita. Não tem moral para falar o que disse, e eu vou mostrar isso”, afirmou Lula. O presidente assistiu, acompanhado de assessores, a cada momento do debate. Irritado, analisou sua própria performance e não ficou satisfeito.

Não gostou do resultado de seus olhares perdidos nem de um certo sorriso sem graça exibido enquanto o oponente lhe disparava críticas virulentas e a imagem de ambos era mostrada lado a lado em milhões de lares pelo Brasil afora. Feita a análise, a mensagem dada pelo próprio Lula aos seus aliados foi cristalina: “É guerra sem trégua”, avisou. Naquele momento, o presidente terminava de alinhavar a estratégia a ser adotada para o segundo turno. Mas, seguindo orientação do marqueteiro João Santana, publicamente o presidente resolveu adotar o discurso da vitimização: “Foi o dia mais triste da minha vida política”, disse Lula aos jornalistas, referindo-se ao encontro televisivo. “Esperava debater sobre os problemas do País, mas ele preferiu agir como um delegado de porta de cadeia.”

A estratégia para a desconstrução de Alckmin pautada por Lula já está traçada. Os programas de rádio e tevê, as declarações públicas e os demais espaços da campanha serão utilizados para mostrar que há uma contradição entre o que o candidato tucano diz em discursos e a forma como ele age no poder. O primeiro tópico a ser explorado é a segurança pública no Estado de São Paulo, comandado pelo PSDB desde 1994. Lula pretende explorar as investidas do Primeiro Comando da Capital – o PCC. Por duas vezes, os ataques da facção deixaram a maior cidade do País refém do crime organizado. Lula vai mostrar que o projeto nacional de gestão integrada de segurança pública, que o governo paulista recusou, deu certo em outros Estados, como no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. Para reforçar o ponto de que Alckmin não tem compromisso com o social, o programa do PT recorrerá aos arquivos da Assembléia Nacional Constituinte, quando tanto Lula como Alckmin eram deputados. O petista mostrará que o tucano votou contra a jornada de trabalho de 40 horas, contra a proteção ao trabalhador com mais de 45 anos de empresa e contra a licença-paternidade de cinco dias. Também planeja ridicularizar a promessa feita por Alckmin de vender o chamado Aerolula – o Boeing presidencial – como medida de economia. Para isso, vai mostrar duas coisas. A primeira é que Alckmin não vendeu os dois aviões do governo paulista, como disse no debate. Um deles foi vendido pelo sucessor Claúdio Lembo, depois que o tucano deixou o Palácio dos Bandeirantes. O outro, Alckmin leiloou, mas gastou muito mais alugando aeronaves para se deslocar do que arrecadou com o leilão.

A segunda parte da estratégia petista na guerra contra Alckmin consiste em destilar um veneno que o próprio Lula já provou. Trata-se de difundir ao eleitorado o que no QG de Lula é tratado como “risco Alckmin”. Em 2002, Lula foi vítima dessa mesma estratégia quando disputava com José Serra. Na ocasião, os tucanos diziam que caso o petista fosse eleito o Brasil perderia os investimentos internacionais, centenas de empresários deixariam o País e o MST era tratado como uma espécie de diabo a assombrar os pequenos e grandes proprietários rurais. Dessa vez, a estratégia do medo terá outros ingredientes. O “risco Alckmin” será definido como uma possibilidade de retrocesso em alguns setores, especialmente na área social, numa provável volta ao poder do PSDB e do PFL. É com esse espírito que foi criado o novo slogan para os programas eleitorais de rádio e tevê, que começaram a ir ao ar na quinta-feira 12: “Não troque o certo pelo duvidoso, quero Lula de novo.”

Na verdade, a opção de espalhar o medo foi tomada dias antes do debate, quando as pesquisas internas do PT já apontavam para a possibilidade de haver um segundo turno. As primeiras declarações começaram a ser feitas na sexta-feira anterior à eleição, quando Alckmin já não dispunha dos programas eleitorais para rebater. No sábado 6, em um comício em Salvador, o próprio Lula foi explícito. “A loucura deles é vender o patrimônio público”, disse o presidente. “Se não ficarmos espertos, eles vão querer privatizar o Banco do Brasil, a Caixa, a Petrobras.” No mesmo fim de semana, a coordenadora da campanha de Lula em São Paulo, Marta Suplicy, reforçou: “Não adianta o senhor Alckmin, o Fernando Henrique dizerem que nós estamos mentindo com a história da privatização, porque eles fizeram isso no governo federal e em São Paulo com o Banespa, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), as energéticas, a Comgás, eles privatizaram tudo.” Durante a semana, Lula voltou a mencionar o fator das privatizações.

Além da venda da Petrobras ou do Banco do Brasil, o risco Alckmin incluiria cortes nos programas sociais e a volta da recessão, idéia reforçada por declarações feitas por Yoshiaki Nakano, um dos assessores econômicos do tucano, que é apontado como provável ministro da Fazenda, num eventual governo Alckmin. Nakano disse que reduziria os gastos governamentais a um volume equivalente a 3% do PIB, um corte em torno de R$ 60 bilhões. “Não dá para fazer isso sem recessão”, reagiu o coordenador da campanha de Lula, Marco Aurélio Garcia. Alckmin teve de sair a campo para desmentir Nakano, mas o estrago já estava feito. “O problema é que, sem horário eleitoral, tivemos que aproveitar todas as declarações que fizemos para desmentir ou minimizar esses torpedos”, lamentou o candidato a vice de Alckmin, senador José Jorge (PFL-PE).

Na terça-feira 10 pela manhã, o presidente Lula recebeu os primeiros sinais de que a estratégia tem dado resultados. Tinha em mãos uma pesquisa interna da campanha, feita com mil pessoas, que aumentava sua vantagem sobre Alckmin para 11 pontos. Dado confirmado na quarta-feira 11 pelo Datafolha. Segundo o instituto, Lula larga no segundo turno com 56% dos votos válidos contra 44% de Alckmin. Apesar da pesquisa, entre os assessores de Alckmin a avaliação é a de que o tucano não errou o tom durante o debate. Se, naquele momento, não partisse para cima e obrigasse Lula a falar sobre assuntos que ele há meses evitava, Alckmin corria o risco de ver a eleição definida ali, com uma vitória acachapante do presidente no primeiro confronto. Agora, porém, avaliam se o melhor é manter o candidato na ofensiva ou moderar o tom e retomar o perfil apresentado no primeiro turno, de candidato sereno.

O que mais preocupa o tucanato são as repetidas afirmações de que Alckmin irá desfazer programas que deram certo na gestão de Lula. Ele, porém, conta com seus trunfos e aposta em um discurso que poderá manter a temperatura eleitoral em níveis altíssimos. Nos programas de tevê, o tucano vai procurar mesclar o debate sobre a corrupção a argumentos sobre a ineficiência do governo Lula, buscando mostrar que ele gasta mal. O próprio Alckmin já apareceu no programa como uma espécie de repórter, mostrando obras inacabadas do governo. Ele gravou cenas assim em Minas e na Bahia. Na linha do debate ético, as fotos do dinheiro usado para comprar o dossiê contra os tucanos serão fartamente mostradas. Acompanhando as fotos, informações, fatos e argumentos que liguem a cúpula do PT e pessoas próximas a Lula. Entre Lula e seus auxiliares mais próximos pesa a admissão de que essa ainda é a história que mais os fragiliza. Na segunda-feira 9, na reunião em que primeiro discutiu e avaliou táticas para o segundo turno, Lula bateu no ombro do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e fez uma brincadeira sarcástica com o PT: “Ministro, você não poderia ser candidato a presidente se tivesse os amigos que tenho.” Em resposta, Thomaz Bastos abriu um sorriso.