De um lado, o machão duro na queda. Gosta de dominar e, não raro, subestimar a parceira. Para ele, o importante é transar por transar, mostrar a virilidade e o poder. Do lado oposto, aparece um outro homem. Romântico, sensível e delicado sem deixar de ser masculino. Dois personagens da novela Laços de família, da Rede Globo, representam bem esses modelos e têm disputado a libido das brasileiras. Pedro (José Mayer) beija com brutalidade a veterinária Cíntia (Helena Ranaldi). Depois, rasga a sua roupa e se delicia ao vê-la entre o medo e a excitação. Já Edu (Reynaldo Gianecchini) é um amante sem pressa, romântico. Curte as preliminares, o beijo doce na boca. Quer atingir primeiro o coração da amada. Numa pesquisa feita pela internet por ISTOÉ, os dois tipos disputam palmo a palmo a preferência feminina. Pedro, o eterno machão, ganhou 361 (41,5%) votos. Edu, o novo homem, levou 508 (58,5%).

As mulheres sempre sonharam com um macho sensível. O grande desafio seria pegar um arredio Pedro e aos poucos transformá-lo num dócil Edu. É o que pensa a socióloga Maria Teresa Monteiro, diretora do instituto de pesquisa qualitativa Retrato e coordenadora de grupos de telespectadoras acostumadas a analisar personagens de novelas. Atrás da embalagem de brutalidade há, supostamente, um homem frágil e sensível, avalia a socióloga. Alguém carente de uma mulher hábil para compreendê-lo. José Mayer, 51 anos, longe do papel que encarna, é, querendo ou não, um ícone de masculinidade, o chamado “macho atemporal”, aquele que conquista mulheres de todas as idades. Em Laços de família, por exemplo, ele assedia a quarentona e já avó Helena (Vera Fischer) e é assediado pela pós-adolescente Íris (Deborah Secco). Mas são os artistas novatos que personificam o romantismo. Toda uma nova geração de jovens astros se encaixa no perfil que as telespectadoras definem como homens de alma feminina.

André Durão
A sensibilidade e o afeto de Edu ocultam um “vale tudo, até ser animal”
Reynaldo Gianecchini, a respeito de seu papel

Diferença – Reynaldo Gianecchini diz admirar a maturidade, a sensibilidade e a segurança de seu personagem na hora de amar e ser carinhoso. “Eu até tenho um pouco disso, mas não sou o personagem”, diz. A grande diferença aparece na cama, na intimidade. Entre quatro paredes, diz Gianecchini, “vale tudo, até ser animal como o Pedro”. Mas, a qualidade de um relacionamento afetivo estaria justamente na capacidade de equilibrar as atitudes e não ser só de um jeito o tempo inteiro. Com a namorada, a jornalista Marília Gabriela, ele protagonizou beijos ardentes em locais públicos, bem diferente do Edu da novela, que cozinha um namoro lerdo e morno com a Camila (Carolina Dieckmann).

Apesar da aparência rústica do seu personagem Pedro, José Mayer o defende. “Aquele casca grossa esconde muita emoção e um coração carente”, aposta. Na hora do sexo, entretanto, Pedro mostra apenas o seu perfil “animal”. As cenas quentes entre ele e a personagem Cíntia garantiram à trama escrita por Manoel Carlos vários picos de audiência. Há poucos dias, Mayer se divertiu ao saber que uma psicanalista queria conhecer esse “Pedro da novela” que povoa a fantasia de tantas clientes.

Carlos Magno
“Nunca tive a experiência de puxar cabelo e jogar no chão. Não encontrei uma garota que curtisse” André Segatti

O ícone machista é reafirmado também na peça teatral Mais perto, em cartaz no Rio, na qual José Mayer vive o médico Larry, um homem de desejo sexual insaciável. Na vida real, entretanto, o ator segue um roteiro bem diferente. Casado há 25 anos com a mesma mulher, a atriz Vera Fajardo, e pai-coruja de Júlia, 16 anos, Mayer já está cansado de ser considerado um símbolo sexual. Ele não deu entrevistas para divulgar a peça e se recusa a falar sobre o furor de Pedro.

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Delicadeza – Ao contrário de Mayer, o modelo e ator André Segatti, do elenco da Turma do Didi, gosta de ser o galã que beija a mocinha no final da história e prefere essa imagem singela a do garanhão que transa com todas o tempo todo. Tem mais a ver com ele próprio. Para Segatti, as mulheres não gostam de ser subjugadas na hora da cama. “Nunca tive a experiência de puxar cabelo e jogar no chão. Se elas gostam, eu não sei. Não encontrei uma garota que curtisse”, afirma. A estudante carioca Vanessa Costa, 29 anos, é categórica: “Eu não gosto de homem machista, prefiro o cara mais gentil.” Sua tese é a de que o macho mandão tem, na verdade, é medo de se apaixonar e ficar submisso a esse sentimento. O machismo seria, portanto, uma defesa. A gaúcha Fernanda Mendes, 23 anos, jogadora de vôlei profissional, cita o personagem Edu como protótipo de homem ideal: “Ser delicado não é ser frágil. Eu prefiro homem suave”, diz Fernanda, certa de que não há risco de esse comportamento ser confundido com homossexualismo.

 

Fotos: Renato Velasco
A estudante Vanessa e a jogadora Fernanda preferem o perfil do homem mais suave. “Ser delicado não é ser frágil”, diz Fernanda

Físico atlético e bonito, o estudante carioca Pablo Yahuda, 20 anos, pertence a uma geração que não perde mais tempo preocupada com esse preconceito. Com ares de quem tem credencial para falar sobre o sexo oposto, ele afirma: “Mulher gosta de ser tratada com educação. O pitboy não parece atraí-la.” O ator Luigi Barichelli, 29 anos, casado, pai de dois filhos, recebe pilhas de cartas de fãs encantadas com o dócil Fred da novela das oito. Acostumado a interpretar rapazes do bem e amantes românticos, o ator – famoso pelo seu olhar “avassalador” e agora pelo beijo ardente trocado com Xuxa – admite que esse perfil coincide com o dele. “Sou mais pela poesia do que pelo arroubo”, afirma.

A possibilidade de a ferocidade sexual virar hematomas no dia seguinte preocupa. Para Cirlene de Galvão, 23 anos, natural de Belém do Pará e radicada em Florença, na Itália, os amantes precisam estar bem afinados para conduzir uma transa meio agressiva sem chegar a danos físicos. “Tem hora para tudo. Para o carinho, a delicadeza, e também para a coisa mais animal. A mulher gosta disso também”, diz. Na cama, tem que ser rude e carinhoso ao mesmo tempo, composição que, segundo ela, o brasileiro ainda não conhece: “Eles se acham homens demais e esquecem, às vezes, de transmitir carinho.”

Renato Velasco
Cirlene quer tapas e beijos

Vitrine – Para a psicanalista Sheiva Rocha, o machão é apenas uma vitrine. Depois da emancipação da mulher, houve mudanças profundas no papel do homem. Entretanto, ela reconhece que nem todas as mulheres estão preparadas para essa mudança. “O homem tem se dado o direito de mostrar fragilidade. As mulheres se assustam com isso”, afirma. E eles também. O filósofo político Harvey Mansfield, que dá seminários sobre a masculinidade ameaçada nos Estados Unidos, identifica uma certa confusão. Antigamente, os homens escondiam as suas fraquezas sob a caricatura do macho mandão. Do suposto declínio desse tipo, está aparecendo o masculino frágil, que nada tem de feminino.

O segurança Cosme Motta, 30 anos, acha que “quem se mostra muito delicadinho é tachado de boiola”. Baseado em suas experiências, Motta não titubeia: elas gostam mesmo do homem dominador na cama, querem ser caçadas. Sua tese coincide com algumas opiniões da psicanalista Sheiva. Para ela, as mulheres, de fato, não querem esse novo modelo de masculinidade, supostamente fraco. Elas se acostumaram a identificar a figura do homem com a marca do poder, da força, da capacidade de trabalho. Mas – mundo de adversidades! –, ao mesmo tempo, as mulheres também não suportam mais a mesmice do machão.

Divulgação/Rede Globo
“Mulher gosta de ser tratada com educação. O pitboy não parece atraí-la. Sou mais pela poesia” Luigi Barichelli

O psicanalista Sócrates Nolasco escreveu em O mito da masculinidade (Rocco) que a mídia apresenta como revolução de costumes coisas como homem lavar pratos, apanhar filhos na escola e ter maior afetividade. A superação do supermacho, diz Nolasco, implica a busca de um homem que seja ativo sem ser dominador. “Alguém que expresse socialmente suas emoções sem ter receio de ser visto como homossexual e mantenha suas características viris sem traços de machistas”, confirma. Recém-lançado pela editora Record, Como se dar bem com as mulheres é um manual de consulta para machos no meio do caminho. Ou seja, aqueles que querem fazer bonito diante das mulheres, mas são, no fundo, muito inseguros. Apesar de ter capítulos ensinando a ser o homem dos sonhos dela na cama, o livro defende a tese de que a mulher só será conquistada com pitadas de romantismo, atenção, carinho.

Reconciliado – O perfil desse homem do futuro é idealizado pela filósofa francesa Elizabeth Badinter em seu livro Sobre a identidade masculina, editado pela Nova Fronteira. Em linhas gerais, a autora fala de três tipos de homens: o duro, o mole e o reconciliado. O primeiro é aquele que tem de provar que é homem e peleja para jamais ceder. Ele supervaloriza o seu sexo e procura provar a virilidade o tempo inteiro. Esse estilo estaria em extinção. Quem tem mais de 40 anos, ainda pode encontrar lógica nesse comportamento porque foi educado para isso. A geração que nasceu no fim da década de 50 e início da de 60 teve que estudar outra cartilha.

O homem mole é tão novo quanto estranho e apareceu primeiro nos países nos quais o homem duro tinha maltratado demais as mulheres. O homem duro, de feminilidade reprimida, cedeu lugar ao homem mole, o qual procura identificar o valor feminino e desprezar o culto à virilidade. Nenhum dos dois conseguiu vencer numa sociedade que já aprendeu que os conceitos de masculino e feminino são culturais. Portanto, o homem não deve abandonar a suavidade para ser macho nem a mulher precisa renunciar à força para ser fêmea.

Nesse vácuo, surge o homem reconciliado. Ele mantém seu aspecto masculino e não renega o feminino. Não abre mão da força, da decisão, muito menos da emoção, da conciliação e da flexibilidade. Não é submisso nem quer que a sua parceira o seja. Nesse ritmo, homens e mulheres caminham para o que a psicanalista Regina Navarro Lins chama de sociedade de parceria. “É o espaço no qual não existe o homem patriarcal nem a mulher submissa”, explica. Ela não tem dúvida de que estamos caminhando, a passos largos, para encontrar esse homem, ou melhor, esse parceiro ideal.


Forte e insatisfeito

Para saber as novidades que levarão os homens ao seu consultório, o cirurgião plástico nova-iorquino Drew Topham vai ao cinema. “A remoção de pêlos do corpo aumentou em 20% depois que Leonardo DiCaprio mostrou o peito limpo nos filmes Titanic e The Beach (A praia)”, observa Topham. Nos últimos oito anos houve um aumento de 195% no número de cirurgias plásticas realizadas em pacientes masculinos nos Estados Unidos, constata o médico. Os homens também têm frequentado as academias de ginástica como loucos. O número de malhadores cresceu 523% desde a década de 80. A obsessão pela aparência, em alguns casos, virou doença, chamada dismorfia muscular. “É caracterizada por exercícios compulsivos e uma convicção de que se é fraco e pequeno, mesmo quando se está inchado de tanto músculo”, explica o psiquiatra Harrison Pope Junior, autor do best seller Complexo de Adônis. A dismorfia seria a versão masculina da bulimia ou anorexia, distúrbio alimentar que acomete as mulheres que tentam se enquadrar nos padrões de beleza ditados pela moda. A busca pelo corpo perfeito, segundo Harrison, é estimulada pela mídia. Nas revistas americanas, há uma média de 35 páginas com imagens de corpos masculinos esculpidos. Mas há outra hipótese para a obsessão por músculos. O corpo teria se tornado o último reduto dos homens para expressar a sua masculinidade. “Os papéis masculinos sofreram uma erosão. Restou a diferença física”, diz Harrison.

Osmar freitas Jr. (NY)

 


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