Depois de enfrentar por um ano a resistência da base do governo, a oposição finalmente conseguiu instalar a CPI das ONGs no Congresso Nacional. A investigação da CPI vai compreender os últimos sete anos, período em que o governo repassou R$ 33 bilhões para instituições sem fins lucrativos, quase o dobro do que a União transfere por ano aos Estados na área de saúde. Há casos de desvios de verbas de Estados e municípios que também desembocarão na CPI, já que todas as unidades da Federação recebem dinheiro do governo federal para repassar às nstituições. Há um padrão comum aos casos que serão identificados: o desvio de dinheiro público e as ligações entre as autoridades que autorizam os contratos e os responsáveis pelas instituições que recebem as verbas. Um caso com todas essas características que deverá receber a atenção da CPI vem do Paraná.

Em abril de 2005, o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná, com a autorização expressa do governador Roberto Requião, firmou um termo de parceria com o Instituto de Tecnologia do Paraná, a Tecpar, uma empresa estatal especializada, entre outras coisas, em biotecnologia e inteligência artificial. O contrato visava à formação de um “núcleo de referência para avaliação de conformidades” em obras rodoviárias do DER paranaense. Para tocar o serviço contratado, a Tecpar contratou sem licitação a ONG Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade, o IBQP, especializado em consultorias. O instituto informou na terça-feira 9 que os convênios firmados “visam desenvolver manuais de qualidade para as fiscalizações e manuais de gestões de informações para as obras de rodovias”. O desenvolvimento das relações entre o DER paranaense, a Tecpar e o IBQP chamou a atenção dos auditores do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, que determinou a devolução aos cofres públicos de R$ 19,6 milhões repassados à ONG.

O primeiro dado curioso é que o IBQP não precisava realizar os serviços contratados para receber do DER. Obtinha o dinheiro a partir da sua mera previsão de despesas. Além disso, de um mês para outro, apresentava exatamente o mesmo relatório de despesas. Em março, por exemplo, declarou ter gasto R$ 800 com telefonia. Foi o mesmo valor no mês de abril. As despesas bancárias em março e abril também foram as mesmas: R$ 3 mil. O valor da folha de pagamento também permaneceu igual, apesar de o número de rescisões contratuais ter dobrado de um mês para outro.

Aguçam ainda a curiosidade dos auditores do TCE as relações entre os envolvidos. Quem assina três termos aditivos da parceria com a Tecpar é o presidente do conselho de administração do IBQP, Rodrigo Costa da Rocha Loures, da empresa de alimentos Nutrimental. Rodrigo é integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. É também presidente da Federação das Indústrias do Paraná e pai do deputado federal Rocha Loures, do PMDB paranaense, eleito com o apoio direto do governador Roberto Requião. O governador deu uma pequena contribuição em dinheiro para a campanha do deputado, exatos R$ 2.100, na eleição do ano passado. Por sua vez, a Nutrimental doou para a campanha de Requião R$ 105 mil em 2002. Além disso, o filho do governador do Paraná Maurício Requião trabalha com o deputado. Quem assina o primeiro termo de parceria com a Tecpar, em 29 de abril de 2005, é o então presidente do conselho de administração do IBQP, o empresário Sérgio Marcos Prosdócimo. O termo de parceria foi assinado com “autorização do senhor governador do Estado do Paraná”.

Diante dessas constatações, os auditores do Tribunal de Contas do Estado do Paraná recomendaram a rescisão do contrato e a devolução integral de R$ 19,6 milhões aos cofres públicos de repasses que o DER fez ao IBQP. “Mas nós vamos pedir uma devolução de mais de R$ 30 milhões”, adianta um dos conselheiros do TCE, que pediu para não ser identificado, por enquanto, pois terá de julgar o processo. Apesar da investigação, o presidente do IBQP se diz tranqüilo quanto ao julgamento final dos auditores. “Isso é a opinião do inspetor. Não foi julgado ainda, vamos provar que não há nada de irregular”, afirma Krüger Passos. Procurados por ISTOÉ, o governador Requião, seu filho Maurício e o deputado Rocha Loures não responderam.

O caso da ONG paranaense é, em princípio, um alvo da CPI que se instalou no Senado. O aprofundamento de uma investigação sobre o IBPQ, no entanto, dependerá de como se dará a correlação de forças na comissão a partir de agora. De início, os partidos governistas, como o PMDB de Requião, deverão ter uma pequena maioria. O principal alvo do PSDB e do DEM são as ONGs ligadas aos sem-terra, ao treinamento de mão-de-obra e a programas na área social. O PT, por seu lado, quer destrinchar as contas das instituições privadas ligadas a partidos políticos.