As principais lideranças políticas passaram a última semana interpretando os recados das urnas no segundo turno das eleições municipais. De público, foram unânimes: o eleitor quer unir eficiência administrativa à moralidade pública. Nos bastidores, essa exigência ética acabou virando o figurino de todas as forças políticas na definição dos candidatos à sucessão presidencial. Como essa dupla qualidade passou a ser identificada com um figurino mais à esquerda, nas hostes governistas quem melhor passou a vestir o traje foi o ministro da Saúde, José Serra. Com bom trânsito no tucanato e no PMDB, ele sempre foi hostilizado pelos aliados pefelistas. Apesar de continuar intragável para o senador Antônio Carlos Magalhães (BA), Serra aproveitou a campanha eleitoral para conquistar o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC). Na reta final, em Curitiba, deu uma ajuda decisiva para a reeleição de Cássio Taniguchi. “Claro que o Serra se credenciou conosco. Ele mostrou que cumpre acordos e merece respeito”, elogia Bornhausen. Além de reduzir o espectro de presidenciáveis governistas, as urnas deram gás à oposição: o eterno candidato do PT Luiz Inácio Lula da Silva, o governador mineiro Itamar Franco e o ex-ministro Ciro Gomes estão convencidos de que a faixa presidencial está sendo guardada para um deles.

Mas mesmo a turma da oposição mais otimista não acredita em um segundo turno sem um representante dos governistas. Daí a tentativa de um acordo já no primeiro turno. É o caso de PT e PPS, que fizeram alianças em centenas de municípios e elegeram chapas em dezenas de cidades. Abertas as urnas, Lula e Ciro resolveram buscar um entendimento num encontro que deve acontecer até o final do mês. Ciro vai propor que PT e PPS construam juntos um programa de governo e viabilizem uma candidatura presidencial. Para isso, organizariam um movimento nacional com os filiados dos dois partidos para aprovar as metas de governo e escolher o candidato. “Candidatura, minha ou do Lula, é irrelevante. O que o Brasil precisa é de um projeto”, disse Ciro à Folha de S. Paulo na quarta-feira 1º. Como o PT tem muito mais filiados e foi o grande vitorioso das eleições municipais, tudo indica que nesse script o protagonista seria mesmo Lula. O presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), faz uma avaliação diferente e inclui o PSB nessa aliança: “Com a ida do Itamar Franco para o PSB, seriam três os candidatos que disputariam as prévias. Mesmo com toda sua força, Lula tem uma certa rejeição na sociedade, reconhecida no PT.”

André Dusek
Pedro Simon fica como uma espécie de reserva no PMDB: sem acordo, disputa o Planalto

O PT vai conversar com as outras forças de oposição, mas não tem a menor disposição em abrir mão da candidatura Lula. O partido está empolgado com a vitória obtida nas urnas e acredita que, desta vez, terá força suficiente para chegar sem maiores concessões ao Palácio do Planalto. Na quinta-feira 9, a executiva nacional do PT vai avaliar os cenários e as possibilidades de aliança em 2002. O deputado José Genoíno (SP) considera essa discussão precipitada e defende uma concentração de esforços nas administrações municipais para que elas mostrem bons resultados nos próximos dois anos. Mas o debate já corre solto nas hostes petistas. “Não haverá aliança no primeiro turno”, aposta o vice-líder do PT, Walter Pinheiro (BA). “Acredito que haverá três candidaturas de oposição”, disse Itamar Franco, praticamente descartando a aliança entre ele, Lula e Ciro no primeiro turno.

Enquanto as oposições ensaiam um diálogo, as forças governistas se engalfinham na disputa pelo comando da Câmara e do Senado. O PMDB tenta aumentar seu cacife lançando no páreo a candidatura presidencial do senador Pedro Simon (RS) e apostando alto na conquista da presidência do Senado.

Em guerra aberta com o cacique pefelista Antônio Carlos Magalhães, o PMDB está flertando com os tucanos. Os senadores do PSDB topam dar uma mãozinha a Jader Barbalho (PA) na disputa pela presidência do Senado em troca do apoio do PMDB à candidatura de Aécio Neves (MG) ao comando da Câmara. Esse namoro pode acabar num casamento em 2002. O PFL, que sempre foi o parceiro preferencial do tucanato, desta vez pode ser abandonado no altar. Bornhausen não quer nem pensar nessa hipótese. Tenta preservar a aliança colocando fichas em Serra e apresentando uma noiva atraente – a governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Nesse jogo, quer também evitar o naufrágio da candidatura do deputado Inocêncio Oliveira (PFL-PE) à presidência da Câmara.

Em meio à brigalhada na base política, o presidente Fernando Henrique Cardoso é indiferente se o candidato a vice sairá do PFL ou do PMDB, desde que todos se unam em torno do tucano que vai lançar para enfrentar as oposições na corrida ao Palácio do Planalto. FHC quer ficar longe das disputas no Congresso e só pretende entrar em campo para curar as feridas e manter a ampla aliança governista com uma reforma ministerial em março do ano que vem. Além disso, ele mostra que entendeu o recado das urnas e aposta numa guinada social do governo para recuperar a popularidade e aumentar seu cacife em 2002. “Se PSDB, PMDB e PFL não estiverem unidos, não têm a menor chance de vitória na eleição presidencial. Isso é pragmatismo puro”, avaliou em uma entrevista ao jornal O Povo de Fortaleza o professor Antônio Lavareda, responsável pelas pesquisas que orientaram FHC nas duas campanhas ao Planalto.