Para derrotar a petista Benedita da Silva nas eleições de 1992 para a Prefeitura do Rio, Cesar Maia, então no PMDB, fez o impossível para convencer o carioca de que reencarnava dois mitos do conservadorismo, Jânio Quadros e Carlos Lacerda. Foi eleito. Quatro anos depois, no PFL, elegeu sucessor Luiz Paulo Conde e deixou a prefeitura dizendo-se herdeiro de uma direita desmantelada por uma década de brizolismo, no qual iniciou a carreira política. Na última semana, o ex-brizolista, ex-janista e ex-lacerdista Cesar Maia, prefeito eleito do Rio pelo PTB, fez inveja a qualquer camaleão. Na terça-feira 31, posou para fotos beijando a mão da atual vice-governadora Benedita da Silva, pela segunda vez derrotada por ele, e abraçando o ex-padrinho e ex-inimigo Leonel Brizola, também massacrado nas urnas.

Cesar ofereceu cargos ao PT e ao PDT. “Fui eleito com os votos deles, não só com os meus”, justificou, tentando mostrar uma modéstia que reconhece ter faltado em 1998, quando perdeu o governo do Estado para Anthony Garotinho (PDT). Também assumiu um ar de equilíbrio, longe da imagem de maluco que exibiu como fabricante de factóides. Na quarta-feira 1º, foi a vez de abraçar o ex-ministro Ciro Gomes (PPS), apresentado por Cesar numa solenidade como a “grande esperança dos brasileiros” em 2002.

Protagonista da maior reviravolta do ano, Cesar passou a campanha como carta fora do baralho pela liderança de seu ex-afilhado Conde nas pesquisas. A apertada vitória teve um gosto especial: Conde foi ostensivamente apoiado por Garotinho e pelo presidente da Assembléia Legislativa, Sérgio Cabral Filho (PMDB), numa tríplice aliança que anunciava planos para eleições futuras. Eufórico, Cesar faz planos, citando prefeitos que chegaram a presidentes. Para isso, promete uma gestão muito mais política e anuncia a intenção de coordenar a campanha de Ciro à Presidência. O prefeito eleito do Rio deu a seguinte entrevista:

ISTOÉ – O sr. fará oposição ao governo federal?
Cesar Maia – Estarei com as posições da candidatura Ciro. Se forem de reconhecimento às ações do governo, assim será. Se forem críticas, assim será. Estarei na coordenação da campanha.

ISTOÉ – Que imagem o sr. quer construir agora?
Cesar – Meu primeiro governo foi progressista, mas percebido como de direita. Essa eleição corrigiu isso e volto a ocupar o espaço de antes, que é o centro. Intensificarei o que fiz no primeiro mandato e agregarei três vetores: gestão de política de desenvolvimento, integração social e econômica e uma defesa ambiental radical. São temas que interessam a todo o País.

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ISTOÉ – Isso pode ser lido como pretensão presidencial?
Cesar – Não. As grandes cidades são os nós do desenvolvimento e suas articulações são nacionais e internacionais. A gente vê o Chirac, que foi prefeito de Paris, ser presidente da França. O De La Rúa, ex-prefeito de Buenos Aires, é presidente da Argentina. O prefeito de Roma, Francesco Rutelli, deve ser o próximo primeiro-ministro da Itália. Minha primeira gestão me deu projeção nacional como administrador, mas não política. Preciso ter mais dimensão política. Quanto à Presidência, como o senador Antônio Carlos Magalhães diz, ser prefeito é questão de competência, governador é oportunidade e presidente é sorte. Depende de muita coisa. Todo mundo tem esse sonho, mas não pode ser um projeto.

ISTOÉ – O sr. foi da esquerda e da direita. Como explica tanta versatilidade?
Cesar – Tenho os mesmos princípios. Cometi um equívoco de grandes proporções ao ir para o PFL. Foi um ato de oportunismo, um erro que me custou muito. Imaginava ter ganhos de uma máquina nacional forte. A saída do PDT foi por decisão do partido. O PMDB me abrigou muito bem sob a liderança de Ulysses Guimarães, mas quando ele morreu o partido avançou sobre a máquina que eu tinha montado.

ISTOÉ – Como o sr. avalia o governo Fernando Henrique?
Cesar – O primeiro desatou nós importantes da economia e obteve o respeito internacional. Foram grandes méritos, mas começou a se perder ao enfrentar a crise mundial. Talvez a fronteira tenha sido o ridículo pacote de dezembro de 1997, as 51 medidas que ninguém entendeu e nada foi cumprido. Por dois anos, foi um desastre, uma sucessão de improvisações. Em 2000, começou a se remontar, mas não consigo ver estratégias, nada. Os resultados de suas políticas não são percebidos positivamente. Temos uma queda de poder de compra dos assalariados em dois anos na casa de 12%. Na classe média, passa de 20%.

ISTOÉ – As vitórias do PT em tantas capitais não ofuscam a sua?
Cesar – A minha teve mais dimensão nacional do que a de São Paulo porque recolocou o governador Garotinho em outro patamar. Foi uma grande vitória de Ciro Gomes e me relança em nível nacional. Tudo dependerá do desempenho dos prefeitos. Marta Suplicy é brilhante, mas está diante de problemas tão profundos que vai ter de mergulhar neles. Em função de 2002, já no fim de 2001 o PT vai ter de dizer a que veio. Tenho um fôlego maior para fazer a administração local e a política nacional.

ISTOÉ – O fortalecimento do PT não enfraquece Ciro Gomes?
Cesar – Ciro no segundo turno tem mais amplitude do que Lula. Depende de como a base do governo vai se portar. Antes de 2000, o PT trabalhava uma frente na qual poderia não ser a cabeça da chapa. Essa vitória vai levar o PT a entender que a cabeça é com ele. Isso é uma vaga no segundo turno, mas a campanha pode polarizar entre esquerda e centro ou centro-esquerda. Ciro terá de buscar essa amplitude do centro-esquerda em direção ao centro, ao centro-direita.