Há quase dez anos o governo tenta levar às farmácias e hospitais do País os remédios sem marca, conhecidos como genéricos. Eles são idênticos aos medicamentos que servem de referência, cuja patente perdeu a validade e por isso mesmo podem ser copiados por outros fabricantes. É o caso do antitérmico Novalgina, que tem como genérico a dipirona. Os genéricos levam vantagem por custar em média 40% menos do que os similares famosos, de acordo com estatísticas oficiais. No entanto, mesmo com todo o recente empenho do ministro da Saúde, José Serra, de enfrentar os laboratórios tradicionais, as vendas anuais de genéricos equivalem ainda a apenas 1% do faturamento da indústria farmacêutica no Brasil. Serra parece que não vai desistir tão cedo. Diante do chororô dos laboratórios, que querem liberdade para reajustar seus preços quando desejarem, o governo agora acena com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar projetos que ampliem a capacidade de produção.

Aposta – Serra recentemente visitou grandes laboratórios na Índia e em Israel, que, somados ao Canadá, são os maiores produtores mundiais de genéricos. O Ministério aposta suas fichas em algumas grandes empresas estrangeiras especializadas para aumentar a produção nacional. O israelense Teva, com US$ 1,2 bilhão de faturamento anual e primeiro colocado no mercado mundial, e o canadense Apotex, que fatura cerca de US$ 600 milhões ao ano, são candidatos. Os dois já têm representantes no Brasil e anunciaram a intenção de investir no País. Entrariam por meio de parcerias com laboratórios brasileiros. No caso do Teva, o sócio seria o laboratório Biosintética. Já os canadenses se uniriam ao EMS Sigma Pharma.

Os dois laboratórios brasileiros – o Biosintética e o EMS – não escondem, entretanto, que a entrada efetiva dos estrangeiros depende em boa medida de negociações com o governo. Desde julho, o setor se comprometeu a não reajustar os preços. O acordo expira dia 31 de dezembro. O que virá depois é a questão. “O Teva está disposto a investir no Brasil, mas o aspecto dos preços precisa estar muito bem explicado para os israelenses”, diz Omilton Visconde Jr., vice-presidente do Biosintética. Carlos Sanchez, presidente do EMS, segue a mesma linha. “As empresas multinacionais não vêem com bons olhos o controle de preços. E o acordo que há hoje dificulta a decisão do Apotex de investir no País”, diz Sanchez. Por ora, os medicamentos do Teva e do Apotex estão sendo importados pelos dois laboratórios brasileiros, que também fabricam seus genéricos. Já a produção dos estrangeiros no Brasil só deverá começar em no mínimo dois anos.

Custos – A alta recente do dólar e o dissídio coletivo dos empregados da indústria farmacêutica, marcado para novembro, também devem pressionar os custos e servir de combustível para as reivindicações de novos reajustes. Ao que parece, os laboratórios não estão mesmo dispostos a abrir mão das margens de lucro de, em média, 50% que obtiveram no ano passado, quando o governo não interferia na definição dos preços.

Além da oferta reduzida, os genéricos dificilmente chegam ao consumidor de menor renda e o consumo está concentrado nas grandes cidades da região Sudeste. O comprador que vai hoje a uma farmácia encontra, em tese, cerca de 40 medicamentos disponíveis. Há outros 35 de uso hospitalar, ou seja, um total de pouco mais de 70 genéricos no mercado brasileiro. Nos Estados Unidos, onde os genéricos existem há mais de 15 anos, eles já representam 40% do total de remédios vendidos. A falta de mais campanhas de esclarecimento sobre o que é medicamento genérico é apontada pelo presidente do Conselho Regional de Farmácia do Distrito Federal (CRF-DF), Antonio Barbosa, como um entrave importante. Mas, segundo ele, o consumo não deslancha também por conta de práticas desleais de vendedores. “O farmacêutico muitas vezes empurra o medicamento de marca”, diz Barbosa. A crítica mais frequente dos laboratórios tradicionais com relação aos genéricos diz respeito à suposta qualidade inferior. Para o presidente do CRF-DF, a crítica não procede. Ele destaca o fato de os genéricos terem de passar por um teste de bioequivalência antes de entrar no mercado como uma garantia para o consumidor. Nesse teste, verifica-se se as substâncias que compõem o genérico são iguais às usadas nos medicamentos de referência.

No final de novembro, o governo realizará um seminário na Academia de Tênis, em Brasília, com a presença de 600 empresários e executivos ligados à indústria de genéricos. Os ministros da Saúde de Israel, da Índia e do Canadá são esperados. “Se não sair nenhum anúncio de investimento nesse encontro, então não sairá nunca mais”, comenta José Marcos Nogueira Viana, assessor internacional do ministro da Saúde. O cálculo do governo é que o mercado brasileiro de genéricos pode chegar aos US$ 2,5 bilhões ao ano – hoje é de US$ 100 milhões. É ver para crer.