"O lugar de Morales e de seus colaboradores é a cadeia.” Assim o comandante-em-chefe das Forças Armadas da Bolívia, almirante Jorge Zabala Ossio, resumiu a posição do governo em relação ao líder do movimento dos produtores de folhas de coca, o deputado e dirigente sindical Evo Morales, 41 anos, de origem indígena, como 65% de seus conterrâneos. Ele é uma espécie de João Pedro Stédile boliviano, mais pela urticária que causa nas elites do que por eventuais semelhanças ideológicas com o líder do MST. Há dois meses, a Bolívia vive um clima de convulsão social depois que os cocaleros bloquearam as principais estradas do país em protesto contra o chamado Plano Dignidade. Trata-se de um projeto do governo de erradicar, até 2002, todo o cultivo da coca na região do Chapare, no centro da Bolívia, como parte da luta contra o narcotráfico, pois o tipo de coca cultivado naquele local é considerado ideal para a produção de cocaína. A onda de protestos já deixou dez mortos, entre eles um policial cujo corpo foi encontrado com as mãos amarradas e sinais de tortura. Outros cinco militares estão desaparecidos há um mês, supostamente sequestrados pelos cocaleros.

“A questão de fundo é o modelo econômico que adotamos, que não resolve o problema da pobreza. A produção de coca não leva necessariamente ao narcotráfico; com apoio financeiro, temos condições de controlá-la. Mas essa política de erradicação da coca está afetando não apenas os produtores, mas toda a economia nacional”, disse Evo Morales na semana passada durante um debate com Jorge Valdés, líder empresarial de Santa Cruz de la Sierra. O próprio governo boliviano, que canta vitória por ter reduzido a área de plantação de coca no Chapare de 30 mil hectares para apenas 1.500 hectares, admite que só no ano passado o Plano Dignidade custou ao país cerca de US$ 500 milhões – algo como 6% do PIB boliviano – que eram gerados pela economia ilícita do mercado da droga. O problema é que, ao erradicar o plantio ilegal da folha de coca, o governo não vem oferecendo alternativas economicamente viáveis aos camponeses.

Adotado por pressão dos Estados Unidos, que aportaram cerca de US$ 150 milhões de ajuda, o Plano Dignidade é uma decorrência da Lei nº 1.008, de 1988, que prevê um limite de 12 mil hectares de coca para uso tradicional na região de Yungas, perto de La Paz, e a erradicação de todo o cultivo na região do Chapare. Até agora, o plano conseguiu reduzir a participação da Bolívia na produção total de coca na região andina de 23% para 12% nos últimos cinco anos. Mas os resultados na luta contra o narcotráfico parecem pífios. Se nos últimos anos Bolívia e Peru, que eram os principais fornecedores da matéria-prima da cocaína, reduziram drasticamente a produção de folha de coca, os narcotraficantes colombianos que as compravam passaram a cultivá-las na própria Colômbia. Na Bolívia, além de empobrecer a população que vivia desse cultivo, a política de erradicação tem levado à militarização do combate ao narcotráfico, com envolvimento do Exército na repressão ao movimento dos cocaleros. E o cultivo da folha de coca, que até agora estava na mão dos camponeses organizados em sindicatos, corre o risco de ficar sob controle de traficantes, já que a demanda ainda existe. “A Bolívia será a Colômbia daqui a dez anos”, disse a ISTOÉ um sociológo que preferiu o anonimato.