O automobilismo brasileiro esperou quase uma década para comemorar um título internacional de ponta. O jejum foi quebrado na segunda-feira 30, nas 500 Milhas da Califórnia, última etapa do campeonato 2000 de Fórmula Indy, no circuito oval de Fontana, pela regularidade e as manobras precisas do piloto Gil de Ferran. Nove anos depois do tricampeonato de Ayrton Senna na Fórmula 1, em 1991, Gil, 32 anos, levou o título no ano mais disputado da história da Indy – foram 11 vencedores diferentes nas 20 provas da temporada. Ele marcou pontos em 15 corridas, vencendo duas delas. Na disputa final, em Fontana, conduziu sua Penske equipada com motor Honda ao terceiro lugar, somou 168 pontos e ficou dez à frente de seu principal rival, o mexicano Adrian Fernandez. Tornou-se assim o segundo brasileiro a conquistar o título na Indy – o bicampeão mundial de F-1 Émerson Fittipaldi foi o vencedor em 1989 e chegou em primeiro, por duas vezes (1989 e 1993), nas mitológicas 500 Milhas de Indianápolis. “Deixei o carro ao fim da prova e alguém me falou sobre essas estatísticas. Minhas pernas estavam bambas e amoleceram de vez. É muita responsabilidade. Não dá para imaginar uma comparação com ídolos do quilate de Émerson e Ayrton”, disse Gil a ISTOÉ, ainda emocionado, após a corrida (leia entrevista no quadro). “O Gil reúne técnica, arrojo e equilíbrio para tomar decisões na hora certa. É um belo piloto, merece a conquista”, elogia Émerson.

O título veio de uma combinação de sorte e talento. Gil ocupava a quarta colocação, no domingo 29, quando a prova foi interrompida por causa da chuva. Por isso, na largada do dia seguinte, para completar as outras 217 voltas, saiu atrás de Juan Pablo Montoya, Dario Franchitti e Michael Andretti, os líderes da prova. Para garantir o campeonato, o brasileiro precisava chegar à frente do mexicano Fernandez. Precisava também garantir pelo menos um ponto para neutralizar os ataques do sueco Kenny Brack. Terceiro na tabela antes da prova, Brack levaria o título com os 20 pontos da vitória e o ponto extra pela liderança no maior número de voltas, se Gil não marcasse. Na 167ª volta, Gil ficou livre da ameaça do sueco, obrigado a parar com problemas no carro depois de liderar boa parte da prova. A disputa com Fernandez teve momentos de emoção. Em uma das paradas, o brasileiro deixou o motor morrer e precisou ser socorrido pelos desesperados mecânicos da Penske. Logo depois, o mexicano ficou à frente de Gil pela primeira vez na corrida, entre as voltas 200 e 205, mas o brasileiro se recuperou.

“Fase luminosa” – A conquista de Gil teve um tempero adicional. Em Fontana, ele foi ao pódio com Christian Fittipaldi, vencedor da corrida, e Roberto Pupo Moreno, o segundo colocado. Adrian Fernandez terminou a prova em quinto. Dez pilotos brasileiros – um terço do total – disputaram a temporada 2000 da Indy. Roberto Moreno marcou 147 pontos e ficou em terceiro. Hélio Castro-Neves terminou em sétimo (129 pontos), Cristiano da Matta em décimo (112) e Christian Fittipaldi em 12º (96). Com esse desempenho, o Brasil ganhou o bicampeonato da Copa das Nações, oferecida ao país com maior número de pontos da temporada. Gil, Moreno e companhia marcaram 332 pontos, contra 256 dos americanos e 226 dos canadenses. A F-Indy não foi o único palco para o sucesso dos brasileiros na temporada. Bruno Junqueira conquistou o título da F-3000 e Antônio Pizzonia foi o campeão da F-3 britânica. “O automobilismo brasileiro está no início de uma nova fase luminosa”, prevê Émerson, animado com a transferência, praticamente confirmada, dos direitos de transmissão da F-Indy 2001 do SBT para a Rede Record. “Essa performance nos deixa animados. A próxima temporada, com transmissões ao vivo para o Brasil, poderá mexer com o público”, aposta o ex-piloto. 

“Chorei muito, ainda estou emocionado”
AFP
Émerson festeja vitória em 1989

il de Ferran, 32 anos, tem nacionalidade brasileira e francesa. Nasceu em Paris, mas veio para São Paulo com os pais antes de completar um ano de idade. Começou a pilotar kart aos cinco anos, observado de perto pelo pai, Luc de Ferran, hoje executivo da Ford. Venceu campeonatos brasileiros de kart e Fórmula Ford, além de um título de F-3 na Inglaterra, em 1992. Na terça-feira 31, falou a ISTOÉ sobre a vitória na temporada 2000 de Fórmula Indy, sem dúvida a maior conquista de sua carreira.

ISTOÉ – Você já conseguiu analisar friamente a sua conquista?
Gil de Ferran – De forma alguma, não vou mentir. Chorei muito, ainda estou emocionado. A prova foi disputada. Foram 250 voltas. Teve o acidente com o Hélio (Castro-Neves, seu companheiro na Penske, que bateu forte no muro e foi levado a um hospital com dores no pescoço, mas passa bem). Vivi ainda algumas situações perigosas na corrida. O motor morreu, mas me recuperei. Fiquei assustado no momento em que o bico do meu carro ficou colado ao do carro do Michael Andretti. Era um olhando nos olhos do outro, a mais de 300 quilômetros por hora. O acidente estava próximo e a sorte me salvou. Na bandeirada, pensei no Émerson, meu ídolo quando eu apenas amava o esporte e hoje um exemplo a ser seguido nas pistas. Sou campeão como ele… Mas esperem: não dá para me comparar a um gênio do quilate do Émerson, não dá nem para falar… (Emocionado, Gil se cala por alguns instantes). Também me lembrei do Ayrton (Senna), outro ídolo que contribuiu para tudo isso.

ISTOÉ – Você teve medo de que o carro quebrasse?
Gil – Não. Fiquei atrás do Adrian Fernandez por algumas voltas, mas o carro me dava a sensação de que poderia ultrapassá-lo a qualquer momento, o que acabou ocorrendo. Corri para ficar entre os primeiros e não forçar o carro. Se eu quebrasse e o Adrian chegasse entre os cinco, tudo estaria perdido.

ISTOÉ – Você conversou com o Hélio Castro-Neves?
Gil – Sim. Os exames não acusaram nada de grave e ele já deixou o hospital. Agora, vou viajar com minha mulher e meu amigo David Coulthard.

ISTOÉ – Por falar em Coulthard, terceiro colocado na temporada 2000 de F-1, como você reagiria a um convite para integrar a categoria em 2001?
Gil – Estou feliz na Indy, na equipe Penske e sou fã dos motores Honda. Mas tenho obrigação de, pelo menos, analisar as ofertas colocadas na minha mesa