Fato incomum. O esnobe Clube Athletico Paulistano, fincado nos limites do elegante bairro dos Jardins, em São Paulo, abriu sua Sala das Artes Plásticas para um artista maldito. Um pintor da violência e da marginália. João Parisi Filho, 58 anos, advogado criminalista, expõe até a terça-feira 7 desenhos e pinturas que retratam uma realidade da qual os altos muros do clube e da vizinhança que o cerca parecem sempre tentar escapar. Não há como enquadrá-lo. Alguns, mais afoitos, poderiam arriscar que seus traços derivam da pop art, que teve como papa o americano Andy Warhol. Outros, certamente mais precavidos, sugeririam que a arte de Parisi, um ex-radical de direita, integrante na juventude estudantil do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), de triste fama, tem raízes nos comics devorados durante a infância e adolescência no vetusto bairro paulistano do Brás. Pode ser que todos estejam errados.

Os trabalhos desse artista autodidata, que participou da Bienal de 1967 – e que coleciona elogios de gente insuspeita de esquerda como o físico e crítico de arte Mário Schenberg, e de outro maldito, o poeta e cantor Jorge Mautner, seu amigo e contemporâneo –, retratam em pinceladas de tons fortes a luta do “bem” contra o “mal”. Como as manchetes dos jornais populares, este embate tem um caráter instigante. Schenberg, por exemplo, detectou em sua obra “uma veia humorística em que a revolta agressiva contra a mediocridade da vida vai sendo substituída por uma simpatia irônica”. Talvez o resumo da obra de Parisi seja isso mesmo. Ex-piloto de provas e dono, no passado, de uma empresa de segurança especial integrada por um exército de 400 homens, Parisi montou seu posto de observação na banca de advocacia criminal que mantém na rua Aurora, entre o bairro da Luz e as fronteiras do centro velho de São Paulo. Paisagem decadente, escalavrada pelo abandono, onde se respira um ar denso, pesado como chumbo, temperado pelos odores do suor, das fezes e da urina. Densa atmosfera, que também recende à creolina, violência que se pressente a cada esquina. Um composto sócio-escatológico que desafia perfeitas definições.

Sem ilusões – É ali o coração da chamada “cracolândia”, terra do crack, subproduto da cocaína, custo barato e altamente letal a médio prazo, estação paraíso e inferno na última escala da viagem descendente do rebotalho humano. Ali estão o viciado e o traficante, a prostituta e o cafetão, o bandido e infâncias jogadas ao lixo. Parisi, observador arguto, não tem ilusões de salvação. Apenas retrata, colecionando visões do cotidiano tão real e ao mesmo tempo bastante surrealista. A alta burguesia paulistana que se deleite ou, pior, que se assuste. “Gotham-city Gotham-sampa é aqui, no coração da cracolândia. Escapou das páginas dos gibis, materializou-se”, define Parisi, apreciador das armas de lâminas e de fogo.

Contemporâneo do cineasta Rogério Sganzerla, de quem foi amigo e mentor – O bandido da luz vermelha tem a sua marca –, Parisi não faz concessões. “A arte não tem fronteiras nem sequer ideológicas”, rebateu ele a Jô Soares, numa entrevista em que o apresentador insistia sobre o seu passado político.