A festa de casamento do craque Ronaldo Fenômeno com a modelo e apresentadora Daniela Cicarelli, no dia 14 de fevereiro, um episódio de conto de fadas montado no Château de Chantilly, arredores de Paris, terá o seu próximo round num cenário bem menos encantador: o centrão abafado de Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Na quarta-feira 9, foi registrada no novo fórum da cidade uma queixa-crime de calúnia (acusar alguém de prática de crime sabendo que ele não o cometeu) contra Camila Lamoglia, assessora de Daniela, em nome do empresário Álvaro Garnero. Solteirão, bonitão, cobiçado, Garnero foi acusado por Camila, numa nota publicada no jornal O Globo, de incluir o complemento “e mulher” ao lado do seu nome, num convite individual, para entrar com a namorada, a modelo Caroline Bittencourt, no badalo fenomenal. Naquele 14 de fevereiro quase irretocável, como se constataria logo depois, Garnero passou pelo constrangimento de ver sua companhia ser expulsa do castelão como jacu em festa de inhambu – e de ter de procurar, com sua Caroline humilhada, o rumo do hotel. A reportagem de ISTOÉ viu os convites e teve acesso a um parecer de Tito Lívio Gomide, um dos mais importantes peritos do País, que analisou todo o material. Ao final de seu relatório, Gomide afirma literalmente: “NÃO (assim, em maiúsculas) há qualquer vestígio de adulteração na documentação atribuída ao convite de casamento do jogador Ronaldo com a modelo Daniela Cicarelli, em nome de ‘Álvaro Garnero e Mulher’.” A revista procurou os advogados de Garnero, Paulo José da Costa Jr. e Fernando José da Costa. Os dois se negaram a falar. “Não faremos comentários porque essa queixa-crime corre sob sigilo judicial”, limitou-se a dizer Fernando José da Costa.

A história da expulsão de Caroline, torta e veloz como uma bola chutada de bico, explodiu nos veículos de comunicação em todos os cantos do mundo, gerou pano para muita manga comprida e, acima de tudo, produziu uma avalanche de versões. Para pisar no gramado e nos salões do castelão, Caroline teria contado com o auxílio luxuoso do italiano Flavio Briatore, festeiro dos bons, matador de fama assumida e capo da equipe de F-1 Renault, quando sobra tempo. Briatore conheceria os seguranças. Daniela teria dito que Caroline não fora convidada e, como o casal tinha deixado de fora dezenas de pessoas queridas, por falta de convite, não achou justo receber a moça. Na órbita das justificativas, outra especulação: o empresário João Paulo Diniz, filho de Abílio Diniz, dono do Grupo Pão de Acúcar, teria namorado Caroline logo depois de Daniela. E, por esse deslize, esse pecado mínimo dos impulsos, teria merecido o dedo inclemente da noiva a apontar para a porta imensa de saída.

Mas a irritação tomou conta de Garnero definitivamente quando ele soube de uma nova versão, assumida por Camila na nota RSVP em xerox, publicada no dia 25 de fevereiro na coluna Gente boa, de Joaquim Ferreira dos Santos, no jornal O Globo. Cuidadoso, Ferreira dos Santos cita a fonte e sapeca: “É falso, segundo a assessoria de Daniela Cicarelli, o convite escrito ‘Álvaro Garnero e mulher’, que a modelo Caroline Bittencourt mostrou em sua ‘entrevista coletiva’ como prova irrefutável de que não teria entrado como penetra na festa de casamento de Ronaldo. ‘Álvaro recebeu um único convite, somente com o nome dele’, afirma a assessora de Cicarelli, Camila Lamoglia. O ‘e mulher’ teria sido escrito numa xerox do convite original.”

Garnero, na versão de Camila, teria falsificado e portado documento falso, dois crimes devidamente previstos na legislação brasileira. O empresário decidiu parar de comentar publicamente o episódio. Não falou com ISTOÉ. Aos íntimos, diz ter mobilizado seus advogados na ação contra Camila porque, como administrador de empresas com pós-graduação na Universidade de San Diego (EUA) e um dos diretores de um grupo empresarial importante, o Brasilinvest, não poderia admitir ser tomado injustamente como falsário. Segundo amigos, ele achou que poderia ser até aceitável Daniela manifestar algum problema em relação a Caroline e buscar alguma conversa, mas não se conformou em ver a restrição e a atitude justificadas com uma acusação injusta de falsificação promovida por ele. Diz ter interesse nesta ação penal como uma espécie de retratação, pois não ganharia dinheiro num processo cível contra pessoas ligadas de alguma forma a Ronaldo, a quem afirma considerar um amigo querido.

Apesar do dilema, as peças que compõem o convite foram encaminhadas a
Tito Lívio Gomide, professor de grafoscopia da Faap, do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo (Ibape), e membro 22-B da Confederação Internacional das Associações de experts e conselheiros da ONU.
Seu parecer, de 11 páginas, é acompanhado de 60 fotografias. No primeiro
envelope, o externo, feito no Porto, Portugal, aparecem duas inscrições: acima, à esquerda, Daniela & Ronaldo, e abaixo, à direita, Exmo Sr. Álvaro Garnero, acompanhado do endereço brasileiro do empresário. Retirado esse primeiro envelope, surge o alvo da polêmica: as letras R e D, cada uma com cerca de dois centímetros, com um coração vermelho no meio e, acima desta combinação, a inscrição Álvaro Garnero e Mulher. Oportuno lembrar que a referência à acompanhante como mulher é um costume português, independentemente do estado civil do casal. Outro ponto destacado pela perícia é que a inscrição Álvaro Garnero e Mulher está centralizada sobre o símbolo formado pelas letras e o coração. Se quem preparou o convite tivesse originalmente escrito apenas Álvaro Garnero, era de esperar que a inscrição do nome do empresário estivesse centralizada, e não um pouco à esquerda do símbolo, como mostra a reprodução.

Dentro do segundo envelope há mais três peças. A primeira é um cartão grande com o texto: “Daniela, Ronaldo & seus pais convidam para o casamento que será realizado no dia 14 de fevereiro de 2005, às 20h30, no Château de Chantilly, França”, seguido dos endereços de Daniela, em São Paulo, e do Fenômeno, em Madri. As outras peças são mais um indício de que o conjunto previa mesmo uma resposta em dose dupla: dois cartões de acesso à festa. Menores, eles trazem advertências em português, italiano e espanhol: “convite pessoal e intransferível”, “proibidos máquina fotográfica, máquina de filmar e outras formas de reprodução ou de transmissão de imagens” e “obrigatória a apresentação de identidade, por questões de segurança”. São numerados. Os que vieram no envelope de Garnero trazem os números 0401 e 0402 – assim, com um zero na frente, provavelmente para evitar fraudes eventuais.

“A conclusão supra é decorrência dos minuciosos exames grafoscópicos procedidos em todos os documentos do convite motivo de exame, que revelaram completa ausência de vestígios que indicassem adulteração ou qualquer outro procedimento fraudulento”, diz Gomide no primeiro parágrafo da apresentação dos fundamentos em seu laudo, logo após a conclusão. Apesar do silêncio no escritório que cuida dos interesses de Garnero, ISTOÉ soube que, antes de registrar a queixa-crime, na quarta-feira 9, os advogados teriam enviado carta a Camila Lamoglia sugerindo uma retratação, o que, pelo visto, não deve ter ocorrido. Agora, a assessora deverá ser ouvida pela Justiça antes da definição das formas do processo. Baseada na Lei de Imprensa, a queixa-crime de calúnia foi feita em Duque de Caxias, pois o município abriga a gráfica de O Globo, que publicou a nota. A Justiça da cidade decidirá se acolhe o pedido, transformando-o em ação penal, ou se o envia para a comarca do Rio de Janeiro, cidade onde está a sede administrativa do jornal, para que o processo corra normalmente. De qualquer forma, a simples conexão Chantilly-Baixada, num caso tão barulhento, não deixa de ser, no mínimo, curiosa.