José Genoíno afirma que a elite brasileira não aceita mudanças e adverte que haverá baixaria a fim de evitar a vitória de Lula

Corinthians, gente e política estão entre as maiores paixões do deputado federal José Genoíno, candidato ao governo do Estado de São Paulo pelo PT. Bem-humorado, ele interrompe sua participação em uma reunião da Executiva Nacional do partido para conversar com ISTOÉ sobre o que mais gosta e sabe fazer: política. Para Genoíno, o jogo eleitoral já começou e vai ser duro. Os partidos que estão no poder, assegura, vão bater abaixo da linha de cintura para inviabilizar a alternância de poder. Segundo o parlamentar, as forças que defendem o atual modelo vão tentar empurrar o PT para o canto do ringue, atacando com o discurso do medo e da incerteza. A eleição de 2002 será muito mais complexa, em todos os níveis, do que a disputada em 1989 entre Lula e Collor, mas com o mesmo radicalismo. Ao mesmo tempo que se pautará pela discussão programática, vai mexer com valores, simbologias. De certo, para Genoíno, só uma coisa: o PT não pode ir para essa disputa achando que se maneirar no discurso e na identidade ganha. “Nós temos que ser radicais sem ser sectários. Não podemos ser ambíguos.”

ISTOÉ

As recentes denúncias contra governos do PT podem atingir o chamado capital ético do partido?

José Genoíno

 Nossos adversários estão usando a tática gambá, ou seja, todo mundo cheira mal. Como não dá mais para manter o mesmo discurso, aplica-se agora aquela máxima do velho Antônio Carlos Andrada, de Minas Gerais: “Vamos mudar antes que o povo mude, vamos fazer a revolução antes que o povo a faça.” Na verdade, o PSDB resgatou o que há de pior na elite brasileira.

ISTOÉ

O que, por exemplo?

José Genoíno

 O cinismo de mudar sem mudar. Mantém a alma de uma elite, que, como diz o Faoro (Raimundo) muito bem, nunca perde, sempre ganha. Eles representam isso e estão criando um clima de terrorismo político para inviabilizar a alternância de poder.

ISTOÉ

O PT esperava por isso?

José Genoíno

 Era esperado, mas foi antes do imaginado. Na medida em que se consolida o prestígio eleitoral do PT, eles agem objetivando não consolidar essa maioria política que as pesquisas indicam. Eles estão produzindo a situação de uma eleição extremamente radicalizada, polarizada, fazendo do processo eleitoral uma selvageria política.

ISTOÉ

O sr. acredita que vai ser pior que a campanha Lula e Collor em 1989?

José Genoíno

Vai. E terá golpe abaixo da linha da cintura. Será um jogo pesado. A elite brasileira, na relação com o poder, é pior que ostra na pedra, não se tira facilmente. É importante o PT ter consciência desse processo.

ISTOÉ

A situação mundial complica esse cenário?

José Genoíno

 Ela é muito delicada e acaba interferindo no Brasil. Primeiro porque o que foi viabilizado garantiu poderosos interesses econômicos. Quando a gente vê os financiamentos do BNDES, a margem de lucro das concessionárias de serviços privatizados e do sistema financeiro sabe que esta elite não vai aceitar tranquilamente a alternância do poder. Eles têm consciência de que o PT mudará as regras, rebalanceará um pacto econômico, social e político. Não vamos fazer revolução, ruptura ou aventura. Mas vamos ter que reordenar a política econômica e social. Quando você diz que tem que ter um país que incorpore os 50 milhões de excluídos, que garanta trabalho, previdência básica e que tem que haver uma política social decente na área da saúde, da educação e da segurança, isso exigirá concessões da elite.

ISTOÉ

Ela não está disposta a isso?

José Genoíno

 Ela vai continuar lucrando, vai continuar tendo seus patrimônios, mas não está disposta a fazer concessões. O governo FHC foi generoso demais, não a contrariou em nada. Na medida em que sempre recebe tudo, ela não quer ceder nem alguns anéis. Tem ainda esse processo internacional de crise, que questiona as bases do modelo neoliberal. Não adianta FHC posar de esquerda na França porque daqui a pouco ele terá de ir a Washington, tem o FMI, tem o Banco Mundial, tem a OMC. Você não governa um país fazendo esses discursos como se fosse um surfista de média geral com o mundo. Você tem que ter interesses, posições, saber contrariar, peitar…

ISTOÉ

As acusações de radicalismo, de inexperiência, além das denúncias de corrupção. Isso tudo não enfraquece o PT?

José Genoíno

Como eles anteciparam a disputa, vamos fazer uma grande mobilização para também antecipar o enfrentamento político. Vamos ser muito sinceros com a população: estão fazendo denúncia contra o PT e se há algo errado nós seremos os mais interessados em punir. Não vamos fazer o jogo deles, que é o de esconder. Em relação aos governos do PT, o que está existindo é uma tentativa de cerco. Os governos petistas estão sendo investigados por CPIs, diferentemente do governo Federal. Está tendo quebra de sigilo, não se está protegendo assessor nem economista do partido. Se pisaram na bola, temos que cortar cabeças. Confiamos plenamente no Olívio Dutra, mas a conversa do Diógenes (de Oliveira, ex-assessor) gravada com o delegado (Luiz Tubino sobre o jogo do bicho) não pode ficar impune no partido. Ele pode ter o passado que tiver, mas não pode ficar impune. Agora, não vamos entrar na agenda deles. Eles estão querendo pautar a agenda do PT.

ISTOÉ

De que forma?

José Genoíno

 O sonho deles é que fôssemos para o lado social e ético do neoliberalismo. Não queremos cumprir esse papel. Queremos ser portadores de outro modelo. Temos que aprofundar a nossa crítica nesse momento em que a população está sofrendo com o desemprego, com a crise energética e com uma situação internacional muito desfavorável ao Brasil. Vamos entrar numa disputa programática, puxar o debate sobre os financiamentos feitos para um setor da elite, via BNDES, sobre o modelo de privatização e como o Brasil se escancarou para uma política internacional. Vamos sair da pauta que eles querem botar o PT e construir a pauta que interessa ao País.

ISTOÉ

Mas não há o risco de ir para o gueto?

José Genoíno

 O PT não pode cometer o clássico erro da esquerda ao longo da sua história: o gueto ou a descaracterização. Não queremos nem um nem outro. Acho que deveríamos recontatar os partidos de oposição. Por isso é que não devemos responder a críticas de Itamar, Garotinho ou Ciro. Devemos rediscutir, pelo menos, um protocolo comum de como fazer esse enfrentamento

ISTOÉ

Um protocolo de não agressão?

José Genoíno

Ou isso ou uma agenda comum de como enfrentar a crise. Vamos nos preparar para uma disputa em que o PT não caia no nível deles. Estão querendo empurrar o PT para o gueto, querem que o PT responda no gueto. Não vamos cair nessa armadilha e nessa isca do establishment.

ISTOÉ

No Congresso já se discute, por exemplo, a independência do Banco Central. É uma armadilha?

José Genoíno

 Eles podem preparar vários planos. O primeiro é construir um candidato com viabilidade. O governo tem a chave do cofre, não pode ser menosprezado. O segundo é criar instrumentos de blindagem do modelo em relação ao BC, à Lei de Responsabilidade Fiscal, a contratos do FMI. É uma blindagem do tipo: ganha, mas não leva. E o terceiro é que podemos ter uma eleição conturbada politicamente. Existe a emenda do parlamentarismo que está na fornalha da tramitação do Congresso. Diante do risco de uma crise, da paranóia internacional, isso pode ser puxado. Temos que nos preparar para os três cenários que eles podem acionar na medida em que os candidatos mais representativos do sistema não estão decolando nas pesquisas.

ISTOÉ

 E a opção Roseana Sarney?

José Genoíno

A projeção dela nas pesquisas é mais um problema no interior da aliança tucana que uma solução. Ela não tem consistência programática nem experiência para capitanear uma disputa complexa como esta. A não-subida do Tasso ou do Serra coloca um complicador, assim como a prévia do PMDB com Itamar. Eles estão querendo tempo para resolver o problema deles e botar o PT nessa fornalha, na defensiva até a oficialização das candidaturas.

ISTOÉ

O sr. é candidato ao governo paulista e as pesquisas indicam que seu nome é desconhecido do eleitorado.

José Genoíno

 Vou associar três coisas: minha cara, meu nome e minha pretensão de ser candidato. Como faço isso? Costurando uma aliança com o PSB, o PDT e o PCdoB. É importante ter palanques estaduais mais amplos do que o nacional, além de andar no Estado inteiro antes da campanha. São Paulo sucateou setores econômicos importantes, que estão sobrevivendo a duras penas. Temos de mostrar que a eficiência e competência tucana é aparente e que temos um outro projeto para mudar e transformar São Paulo.

ISTOÉ

Maluf ainda tem fôlego para esta disputa?

José Genoíno

 Sim. Esta eleição tende a se dividir nessas três forças, disputando quem vai para o segundo turno.

ISTOÉ

A segurança pública vai ser o calcanhar-de-aquiles do PSDB?

José Genoíno

 Esse assunto vai pegar. Vamos ter que apresentar um modelo de segurança pública que combine policiamento ostensivo e forte com equipamentos sofisticados, com uma polícia democrática e comunitária que possa combinar um sistema integrado de banco de dados único com operação e um só comando. Tem que ter um debate sobre esse governo parado, defensivo, que é um administrador burocrático de uma eficiência entre aspas. Haverá um debate programático, mediado por uma disputa de valores. Queremos fazer uma campanha de esquerda que resgate os valores de esquerda. Não aqueles que marcaram experiências autoritárias do socialismo, mas os valores da esquerda libertária humanista democrática para enfrentar este modelo que quando fala do povo parece que o povo está num gráfico do IBGE, no mercado de capitais, na Bolsa de Valores ou nas cifras do Banco Mundial ou da OMC. Podemos fazer uma campanha que reapaixone as pessoas com a idéia do sonho e da utopia que hoje está muito em baixa.

ISTOÉ

A prefeita Marta Suplicy vendeu essa expectativa de mudança. Como não há mágica, as críticas vieram. Até a eleição, ela vai ajudar ou atrapalhar?

José Genoíno

 O PT está maduro e vai para um debate de governo com todas as experiências acumuladas, onde fomos testados, onde cometemos falhas, onde governamos com cidades destruídas como aqui. Estamos reconstruindo física, financeira e eticamente a cidade. A tendência do governo da Marta é melhorar sua aceitação pela maioria da população. Vamos mostrar que o PT está preparado para governar tanto em situações boas como ruins. Vou fazer um campanha sem omitir nada. Não vou fazer uma campanha escondendo minha história, meus valores, meus companheiros e companheiras, meus dilemas. Vou fazer o jogo da verdade. Quero ganhar olhando no olho do eleitor. Minha campanha será sincera. É como gosto de dizer: eu mudo sem mudar de lado e é isso que quero levar para a campanha. Não vou tratar meus adversários de maneira baixa, truculenta. Vou afirmar um sonho, vou afirmar um caminho.

ISTOÉ

Não vai nem precisar de marqueteiro?

José Genoíno

 Meu marqueteiro vai ser dirigido pelo que sou e pelo que penso. Tenho uma paixão na minha vida, a paixão pela política. Gosto de ser gente e gosto da política porque ela trabalha com gente, e não com coisa ou objeto.

ISTOÉ

Em pesquisas o PT é identificado pelo eleitorado como o partido da esperança, mas, ao mesmo tempo, do medo. Como trabalhar isso?

José Genoíno

 Analisando dialeticamente, não existe esperança sem medo e medo sem esperança. São duas faces da mesma moeda. Quem quer ter esperança tem que mudar, e mudança provoca medo. O PT vai respeitar o Estado democrático de direito. Se colocarem os contratos para nós, vamos dizer que respeitaremos, mas é bom que nossos interlocutores saibam que os contratos não funcionam só para um lado. O que vamos querer é mudar quebrando o medo. É o fio da navalha. Primeiro nós não podemos abrir mão de que somos mudança e que somos oposição. Nós não somos a ala esquerda do neoliberalismo. Somos um projeto de esperança alternativa. Temos que trabalhar a idéia da esperança para suplantar o medo. Sei de uma coisa: o PT não pode ir para uma disputa dessa achando que se maneirar ele ganha. Nós temos que ser radicais sem ser sectários. Não podemos abrir mão de nossa identidade. Exatamente para dizer que somos alternativa. Não podemos ser ambíguos.

ISTOÉ

Por que o PT não conquista o voto do povão?

José Genoíno

Nós vamos ter que entrar nos grandes bolsões da população, temos que fazer uma campanha popular. É preciso manter uma relação saudável com formadores de opinião, com as classe A, B e C. Temos que entrar no povão.

ISTOÉ

É verdade que o sr. tira um extrato por semana de sua conta para checar se há algum depósito estranho?

José Genoíno

 Quando tiro o extrato, não sei se fico tranquilo porque continuo no vermelho ou se fico triste com os juros. Meu patrimônio no decorrer desses 18 anos não mudou. Quebro meu sigilo a qualquer hora. Político é muito visado no bom e no mau sentido. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.