No ano internacional do voluntariado, virou moda promover desfiles beneficentes, bazares e toda sorte de evento em que parte da renda é revertida para alguma instituição sem fins lucrativos. Quem participa se sente bem por ter ajudado. As entidades que recebem a doação usam o dinheiro e ficam esperando pela próxima. Mas há um pequeno grupo de empresas e estilistas que faz diferente. Aproveitam a mão-de-obra de artesãos e costureiras das comunidades em seu próprio trabalho. Nessas parcerias, a transmissão de conhecimento e o pagamento justo pelo serviço são a única moeda de troca.

Conhecida por suas colchas e almofadas artesanais, a Coopa-Roca, cooperativa de costureiras da favela da Rocinha, no Rio, vivia de temporada. Todo ano, algum estilista famoso criava roupas com elas. Mas, ao fim dos desfiles, as encomendas escasseavam. Carlos Miele, dono da M.Officer, fez a fabriqueta entrar no esquema industrial. Criou uma linha de roupas a partir das técnicas que elas dominam, como crochê e patchwork (costura com retalhos). Na primeira coleção, encomendou mil peças. Na seguinte, 3,5 mil. Hoje, 98% da produção da Coopa-Roca vai para a M.Officer. As artesãs, que eram 16, agora são 90. Ganham de R$ 50 a R$ 1 mil por mês, de acordo com a produção. “Miele nos deu sustentabilidade”, diz Maria Teresa Leal, coordenadora do grupo. “É uma relação de troca”, afirma o estilista. “Comprometo-me a usar o trabalho, mas, se a qualidade cair, a parceria morre.”

Seguindo o mesmo raciocínio, o empresário amazonense João Augusto Fortes, dono da AmazonLife, produz moda utilizando a mão-de-obra de índios ashaninca e kaxinawá e de seringueiros do Amazonas e do Acre. Ao todo, 220 famílias trabalham para a empresa, que extrai o látex da floresta, transforma-o em couro vegetal e fabrica bolsas, sapatos e acessórios vendidos até para a poderosa grife francesa Hermès. “Nossa meta é aumentar a produção e proporcionar autonomia financeira a essas populações”, afirma Fortes. “É tudo regido por contrato.” Segundo a política da empresa, cujo faturamento é de US$ 1 milhão, eles não são obrigados a deixar suas comunidades nem a cortar seringueiras fora de época.

Por meio do trabalho voluntário do estilista Walter Rodrigues, as artesãs da Associação das Rendeiras de Morros da Mariana, uma bicentenária comunidade instalada em Ilha Grande, a 350 quilômetros de Teresina, conseguem ditar moda em São Paulo. Tudo porque Walter Rodrigues topou o desafio da ONG A Casa – museu virtual de artes e artefatos – de unir tradição e alta-costura. Em uma viagem ao povoado, Rodrigues apresentou às rendeiras fios de seda, viscose e lycra. Em lugar do branco, sugeriu que usassem preto e outras cores. “Entreguei a elas toda a minha produção de rendas para a última São Paulo Fashion Week e depois encomendei 60 camisetas e 80 vestidos”, conta o estilista. Com esse “intercâmbio”, as rendeiras foram reconhecidas no Estado. A prefeitura reformou a sede da associação, que não tinha telefone, luz nem água, e as encomendas triplicaram.

Mas nem é preciso ser um estilista renomado para ajudar. Em São Paulo, o rapper Kleber Simões, o KLJ, do grupo Racionais MC’s, montou uma grife chamada 4P, que vende roupas estilo hip-hop. Morador da Vila Mazzei, na periferia paulistana, ele contratou quatro costureiras negras de um bairro vizinho, comprou máquinas de costura e montou uma confecção. “Virei estilista e agora gero empregos”, conta KLJ. Em outra favela paulistana, a Vila Nova Jaguaré, o Núcleo Voluntário de Moda, formado por Iódice, Regatta Tecidos, Vivavida e Rosa Chá, está montando um centro de formação em alfaiataria. A primeira turma de 30 alunas será treinada por professores das Faculdades Anhembi-Morumbi para virar pilotadeiras – chefes de costura aptas a trabalhar em qualquer grande ateliê.

 

Ajudinha fashion

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com 9.130 empresas privadas brasileiras revela que 59% delas realizam algum tipo de ação social. A maioria da população, porém, limita sua participação a doações esporádicas e atividades de benemerência. No eixo Rio–São Paulo, a moda é aderir a bazares beneficentes. Só o Ação Criança e o Top Fashion, na capital fluminense, chegam a atrair até 15 mil pessoas num fim de semana. No Top Fashion, paga-se R$ 6 para ter acesso a um galpão com roupas de 76 grifes a preços promocionais. Na semana passada, em São Paulo, o Fashion Bazar, promovido pela empresária Gisele Gaspar Ayres, convidava cada cliente a pagar R$ 1 a mais para cada peça comprada. O valor adicional iria para uma creche. “Eu me desfaço da mercadoria encalhada e o cliente fica feliz em poder ajudar”, conta Gisele.