Durou pouco o alívio da Argentina com a bolsa em alta e o risco-país em queda. O presidente Fernando De la Rúa desembarcou sexta-feira 9, em Nova York, com as mãos abanando, no momento em que o risco Argentina batia nos 2.455 pontos (105 a mais que no dia anterior) e a Bolsa caía 1,90%. As negociações decisivas do presidente com os 14 governadores da oposição em torno do repasse de verbas do regime de co-participação às províncias, envolvendo mais de US$ 4 bilhões, desmoronaram na quinta-feira à noite.

O fracasso das negociações que levaram mais de um mês afeta profundamente os planos de De la Rúa nos Estados Unidos. Ele tinha a intenção de persuadir o presidente Bush e o Fundo Monetário Internacional (FMI) a adiantar o desembolso de US$ 1,2 bilhão, previsto originalmente para ser disponibilizado em dezembro. Esse dinheiro seria usado como garantia de um outro pedido complicado: a Argentina propõe a bancos e fundos de pensão que troquem US$ 95 bilhões em bônus por títulos com taxas de juros inferiores.

Na busca de recursos para evitar a moratória e financiar a reestruturação de uma dívida que soma US$ 132 bilhões, De la Rúa certamente vai enfrentar constrangimentos nos Estados Unidos. “Se Fernando De la Rúa vier de mãos vazias, sairá de mãos vazias”, disse ao The New York Times Arturo Porzecannski, diretor econômico de mercados emergentes do ABN Amro Securities. “As chances são muito altas de que a Argentina não consiga honrar seus pagamentos este ano.” O FMI já foi claro: não vai considerar a possibilidade de dar mais dinheiro ao país se o presidente não resolver a questão com os 23 governadores. O acordo assinado com nove governadores é um pacto fiscal. Prevê o corte de 13% no piso de US$ 1,36 bilhão da co-participação a partir do ano que vem. A mesma regra se aplica para o pagamento das dívidas que a União mantém hoje com as províncias e o resto do repasse que deverá ser feito ainda neste ano.

Abismo – Carlos Ruckauf, governador da província de Buenos Aires (que tem a receber um repasse de US$ 4,6 bilhões e se retirou das negociações), acusa o presidente e o ministro da Economia, Domingo Cavallo, de estarem levando o país cada vez mais perto do abismo. “Os caprichos do presidente e do ministro estão trazendo uma crise de grande escala”, disse o prefeito em entrevista concedida na sexta-feira, quando a greve dos lixeiros de Buenos Aires fez com que a cidade amanhecesse coberta de lixo. É uma greve em solidariedade aos caminhoneiros que fecharam as fronteiras com Brasil e Chile em protesto às desigualdades de condições entre os países do Mercosul.

Os problemas da Argentina estão cada vez mais graves e distantes de uma solução. O fosso que separa ricos e pobres não pára de aumentar, atingindo a classe média, a maior força política do país. As taxas de desemprego e de subemprego chegam a 50% em certas regiões. Um em cada três argentinos vive abaixo do limite da linha da pobreza. A arrecadação de impostos caiu mais de 10% nos últimos meses. Também caíram as vendas ao consumidor e a produção. O desânimo predomina entre os empresários. Uma pesquisa realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento Empresarial da Argentina revela que 46% dos executivos acreditam que a situação econômica do país vai piorar nos próximos seis meses, dado superior ao obtido durante as crises da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998. “A Argentina está à beira do precipício, e nem a concessão de vários empréstimos por parte dos organismos internacionais, nem a aplicação de sete planos de austeridade em menos de dois anos permitiram que o país saísse de uma de suas suas mais graves crises econômicas dos últimos 100 anos”, escreveu Christine Legrand no jornal francês Le Monde.

A crise de confiança chegou a tal ponto que o governo já pediu até à Igreja Católica (90,9% dos argentinos são católicos) apoio a seu plano de reestruturação da dívida. A ministra Patricia Bullrich, do Ministério da Previdência, entregou ao monsenhor Estanislao Karlic, chefe do episcopado argentino, uma cópia do pacote econômico para obter a bênção da Igreja “contra a usura embutida nos juros pagos pelo país”. O bispo ficou de ler e depois se manifestar.

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Sem efeito tango – O Brasil, por enquanto, está a salvo. Alguns economistas e analistas do mercado financeiro viram na queda do dólar ocorrida na semana passada – a moeda americana chegou a R$ 2,53 – uma demonstração de que a economia brasileira teria descolado da crise argentina. Os investidores internacionais teriam se dado conta de que, apesar da estreita ligação entre as duas economias –, a situação no Brasil seria “administrável”. Outros economistas, entretanto, consideram que o “efeito tango” ainda poderá voltar a fazer estragos por aqui. Dependerá da maneira como os argentinos conseguirão sair da sinuca do câmbio fixo e da recessão. Se houver uma crise financeira profunda, com quebradeira de bancos e de grandes empresas, uma possibilidade que não pode ser completamente descartada, dificilmente o mercado brasileiro passaria ileso.

BC americano age contra a recessão

Os juros cobrados nos Estados Unidos caíram na terça-feira 6 pela terceira vez desde 11 de setembro. O corte, como das outras vezes, foi de 0,5 ponto porcentual. Agora, a taxa básica para empréstimos no país é de 2% – patamar que havia sido atingido pela última vez em 1961, durante o governo Kennedy. A disposição de Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve (Fed), o Banco Central americano, é clara: crescer a qualquer custo e reverter o quadro de recessão. Nem a possibilidade de uma leve disparada da inflação com a enxurrada de crédito disponível assusta mais. Na quinta-feira 8, o Banco Central europeu seguiu o exemplo e também baixou sua taxa básica de 3,75% para 3,25%. A instituição negou que os países que compõem a União Européia estejam em recessão, mas disse que tomou a atitude para afastar o risco de uma retração econômica mais acentuada.

O novo corte americano ocorreu por conta “das grandes incertezas e preocupações diante da deterioração das condições econômicas, tanto aqui como no Exterior, que estão reduzindo a atividade econômica”, segundo nota divulgada por Greenspan. O comunicado deixa subentendido que novas reduções poderão ocorrer ainda este ano. Desde janeiro, os juros já caíram 4,5 pontos porcentuais, em dez oportunidades. O artifício vinha sendo utilizado pelo Fed para estimular o consumo e a atividade produtiva no país, que já declinava desde antes de 11 de setembro. O problema, segundo analistas, é que o zero já está muito próximo, fato que deixa Greenspan com pouca margem de manobra daqui para a frente. Outro país desenvolvido em recessão, o Japão, adota taxa muito próxima do zero – um caminho que os Estados Unidos estão trilhando aos poucos.


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