Corrupção, cobiça, traição, lavagem de dinheiro, sobras de campanha e tráfico pesado de influência a um porcentual que passava dos 30% foram os ingredientes de uma história que sacudiu o País nos anos 90. Apimentado pelo impeachment do presidente da República e, mais tarde, por assassinatos que até hoje povoam o imaginário popular, graças a um desfecho pouco convincente, o thriller de terror protagonizado pela “República das Alagoas” continua rodando ainda que os conterrâneos de Graciliano Ramos e Deodoro da Fonseca acreditem que seja possível esquecê-lo impunemente. Certamente não será uma tinta preta sobre o nome PC Farias em uma placa “oficial” na rodovia estadual AL 101 Norte o suficiente para passar a borracha num passado recente. Menos ainda, transformar a mansão dos Farias, o bunker do ex-tesoureiro de Fernando Collor, em Maceió, numa casa de festas. Festas que reúnem a nata alagoana em eventos como shows de Fafá de Belém, Emílio Santiago, Reginaldo Rossi ou réveillons badaladíssimos, como o deste ano, a R$ 500 por cabeça com uísque, cerveja e refrigerante “free”.

A “maldição do impeachment” não só tirou a vida de alguns como transformou a trajetória de políticos poderosos em uma espécie de “hora do pesadelo”. Nove anos depois da morte de PC, a serem completados em 23 de junho, grande parte se refez como pôde. Augusto Farias, que sentiu o gosto amargo de ser apontado nas ruas como uma espécie de Caim e ter perdido a reeleição para a Câmara após ser citado na CPI do Narcotráfico, diz que é questão de honra sua volta a Brasília nas próximas eleições. Rogério, o quinto irmão, depois de reinar – com a máquina do esquema PC – em 1992 no pequeno município de Barra de Santo Antônio, a 40 quilômetros de Maceió, é o hoje o político de projeção dos irmãos-clone. Voltou à cadeira de prefeito em 2000, mas, para estender seus domínios pelo litoral norte, deixou o cargo a fim de disputar a administração da modesta Porto de Pedras. Rume Farias, mulher e vice, manteve o negócio em família. Ela ficou em Barra e os filhos Rogerinho e Simoni são secretários de Finanças e Obras, respectivamente, de sua gestão. Já Rogério levou a filha Camila para tocar as obras do novo condado.,

Mas o prefeito – que saiu em um cruzeiro para Fernando de Noronha com a mulher e dois dos filhos no sábado 12 e só voltou na noite de quinta-feira 17 – quer mais. Está construindo uma casa na não menos paradisíaca São Miguel dos Milagres, de pouco mais de cinco mil habitantes. Empregados da família contam que a cidade fica no meio do caminho, entre Porto de Pedras e Barra de Santo Antônio, mas o que está fazendo Rogério “investir” na região são as eleições municipais de 2008. Ele quer fazer da filha Camila a nova prefeita. Para dominar 100 quilômetros do litoral norte só falta Rogério abocanhar Passo de Camaragibe, cidade entre Barra de Santo Antônio e São Miguel dos Milagres. Os planos são conhecidos de admiradores nativos, empregados e operadores das balsas que atravessam os turistas para o lado mais nobre do rio Santo Antônio. É de lá que se pode avistar ou até mesmo navegar até a piscina do PC. A placa indicativa, que ficava na beira da praia, foi subtraída depois da posse de Rume. Com placa ou sem placa, os guias só identificam a localidade, formada em meio a uma ilha de corais, como a dileta paisagem do ex-caixa-forte da família.

A popularidade de Rogério na região blinda o casal. Mas o estilo Farias de ser é mantido de forma mais comedida do que nos áureos tempos da mansão das Mangabeiras, onde reza a lenda que a “República das Alagoas” teria comemorado o primeiro bilhão com muita bebida e charutos cubanos com selos personalizados, que teriam sido acesos com notas de US$ 100. A mansão transformou-se numa casa de festas e a única imagem que ficou dos tempos nada memoráveis foi a vista. Erguida em meio a uma favela, PC gostava de receber os comensais nobres e plebeus dizendo: “Olhe e sinta Maceió a seus pés! ”

Em vez de charutos, bebidas e outros símbolos de uma era que todos parecem querer esquecer, o negócio dos Farias continua sendo a política, mas agora turbinado com uma espécie de Roland Garrois tupiniquim: o tênis. Nas cidades em que governam, pequenas e carentes de tudo, quadras de saibro cobertas são erguidas em terrenos da família para o desfrute popular. Não faltam professor, bolinhas e raquetes, sem contar com campeonatos aos domingos dos quais participam a prefeita, o marido e seus eleitores. Um funcionário conta, inocente, que Rogério sempre pergunta ao professor: “Você quer perder ou perder o emprego?” Brincadeira ou não, os Farias dão o tom de como atuam os poderosos das Alagoas, um Estado de 2,8 milhões de habitantes comandado por 27 famílias (usineiros) e gerenciado pela elite política, principalmente a que ocupa as cadeiras do Congresso.

Vidas secas – Ainda hoje, Paulinho, 22 anos, e Ingrid, 24, filhos de PC, são reféns de um escândalo que mistura assassinato e corrupção. Ingrid, uma jovem deprimida, segundo relatos de poucos amigos, não costuma sair de casa. A exceção são as festas na mansão, como a feijoada ao som de Reginaldo Rossi, no final de julho do ano passado. Tanto Paulinho quanto Ingrid herdaram do pai o gosto pela bebida, pelo cigarro e pela boa mesa. A senhora do destino de Ingrid seria uma antiga babá de nome Maria do Carmo. Paulinho sai um pouco mais. Mas nunca sem a companhia de seguranças, uma paranóia antiga dos Farias. Ingrid costuma frequentar a casa do tio Rogério em Barra de Santo Antônio, onde passeia em companhia dos primos. Os nativos contaram que em novembro ela teria passado uma semana na localidade e que, certamente, marcaria presença no feriadão da Páscoa. Tal como PC, seus filhos se transformaram em assunto proibido quando se trata de publicação de fora das muralhas de Maceió. Quem sabe não fala e, quando fala, não quer ser identificado.

A vida social de Ingrid e Paulinho, no entanto, pode ser acompanhada em sites na internet assinado por colunistas sociais de Maceió. O que não é dúvida é que eles não tiveram a mesma estrutura familiar de Arnon Afonso e Joaquim Pedro, filhos do ex-presidente Collor, para suportar a “maldição do impeachment”. Embora todos tenham passado pela Suíça para ser poupados do escândalo e mais tarde tenham fixado moradia em Maceió, os caminhos seguidos foram diferentes. Arnon chegou a ter 54 mil votos nas eleições de 2002 para a Câmara dos Deputados, mas só não se elegeu porque o pequeno PRTB não obteve o coeficiente eleitoral necessário.

Já Joaquim mostrou o DNA empresarial do tio Pedro e do avô materno ao assumir com o irmão as empresas da família, enquanto o pai tentava a vida política em São Paulo. Eles afastaram os colloridos de carteirinha e deram uma levantada na empresa. Mas a festa acabou depois que o pai demitiu o staff dos filhos e voltou a usar tanto o jornal quanto a tevê para fazer o que mais sabe: política. Arnon e Joaquim hoje moram no Rio de Janeiro. Quem está seguindo a trilha do pai é Fernando James, reconhecido por Collor tão logo comprovada a paternidade. Elle foi eleito vereador em Rio Largo, município vizinho à capital. Enquanto a eleição de 2006 não vem, o fantasma da ópera alagoana assombra, mas não espanta os negócios de família que continuam prosperando.