Nicolas Sarkozy tem uma certeza sobre o tempo. “Ele passa ainda mais rápido quando estamos sozinhos”, disse o ex-presidente da França a um grupo de convidados que o ouvia em São Paulo, na quarta-feira 26. “Prende son temps (Faça no seu tempo) é provavelmente a expressão mais estúpida que já ouvi. Nós não somos proprietários do tempo. Logo, ele é precioso, e temos que usá-lo, aproveitá-lo. Temos que aprender a controlar as circunstâncias.” A turnê “Little French Songs” era de sua mulher Carla Bruni, mas, na passagem pelo Brasil, foi Sarkozy quem acabou tomando o tempo para entoar seus versos franceses como conselheiro da crise brasileira.

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Em turnê política enquanto acompanhava la Bruni na agenda de shows em Porto Alegre e São Paulo, Sarkozy encontrou-se com o ex-presidente Lula, com o governador paulista Geraldo Alckmin, e, antes de partir, reuniu-se com o vice-presidente Michel Temer, com quem disse ter algo em comum: mulher jovem, bonita e filhos pequenos. Não encontrou a presidente Dilma Rousseff porque não estava previsto ir à Brasília. Após o encontro na quinta-feira 27, Temer declarou que Sarkozy tomou a liberdade de lhe dizer: “Não recuem nunca para enfrentar toda e qualquer crise, que é sempre passageira”. No encontro com Lula, a conversa também foi sobre as mazelas brasileira e mundial, além suas experiências na crise de 2008, na França. Ao amigo da época em que ambos foram presidentes (entre 2002 e 2009), Lula criticou a condução do governo Dilma.

Na mesma reunião com empresários, em São Paulo, a que ISTOÉ teve acesso, o ex-presidente francês mostrou que, mais do que nunca, está candidatíssimo a retornar ao Palais de l’ Élysée. “O projeto é voltar a dar juventude e sangue novo ao nosso país, disse Sarkozy. “Aos setores que puderem nos ajudar, sejam bem-vindos.” Ele não perdeu a chance de criticar o atual presidente, François Hollande. “A França com um presidente ‘normal’ não é a França. A França que não faz o papel de liderança na Europa não é a França. Nosso modelo econômico não funciona mais. Temos de reinventá-lo e fazer mudanças de intensa profundidade.”

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PRIMEIRO-MARIDO
No palco, La Bruni dedicou uma canção ao seu -pirata- de gravata

Os conselhos para os problemas do Brasil passaram pela sua experiência vivida na instabilidade. “O sucesso é brilhante, mas é fugaz. A derrota dói, mas a gente aprende. Aprendi muito mais com minhas derrotas dentro do Eliseu”, disse. “Antes da crise, me explicaram que estava na moda o conceito de empresa global. Isso é uma besteira. Quando a crise chegou, as nossas multinacionais pediram ajuda ao Estado francês. Elas não erraram a porta”, disse. “Não existe árvore que cubra um jardim inteiro sem ter raízes. A força de uma empresa é ter raízes. A globalização não é o desaparecimento das identidades.”

Sarkozy falou, também, da amizade da França com o Brasil. “Nós temos 700 quilômetros de fronteira comum (com a Guiana Francesa) e temos o direito de ter projetos fantásticos juntos”. Ele lembrou da ideia de criar uma universidade da Biodiversidade na região. Na reunião, o ex-presidente contou uma conversa que teve, ainda na presidência da França, com o presidente americano George W. Bush sobre a venda de transferência tecnológica de submarinos de propulsão nuclear ao Brasil, acordo assinado em 2009 no governo Lula. “Vou contar um segredo: quando disse sim a Lula para os submarinos nucleares, Bush me ligou e falou: ‘Você está louco? Você não pode vender submarino nuclear’. E eu respondi: ‘Mas é você que tem que me dizer se tenho que vender ou não? Se eu quiser vender dois ou três é uma decisão minha. O Brasil é uma democracia e precisa dos submarinos.’”

Sarkozy falou de clima, demografia, educação, imigração, África, Estados Unidos, Coreias futuramente unificadas, da concorrência entre países, zona do euro e economia global. Elogiou Hillary Clinton (“Ela é outra coisa do que Obama e do que seu marido. Ter Hillary na presidência dos EUA seria um sinal de vitalidade”).

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Ele contou que é fã do série de TV Downton Abbey. Houve tempo para provocar quem não usava gravata e para os seus comentários ácidos. A imprensa não foi poupada. “Se vejo alguém mal vestido, penso: deve ser jornalista. Outro dia um homem me perguntou no aeroporto se eu havia feito uma conferência. Perguntei: O senhor é da polícia? Ele me perguntou se eu receberia U$ 100 mil. E eu disse: “Senhor, não me insulte, por favor. Eu recebo muito mais.” Em outro momento, ele arrancou risadas da pequena plateia, onde estava o masterchef Erick Jacquin, entre empresários de origem francesa: “Se Versailles fosse construída hoje, certamente haveria uma associação de defesa dos idiotas para impedir. Hoje tudo é assim.”

Sarkozy gosta de dizer que Carla Bruni o acompanhou cinco anos no Eliseu e pergunta: “Por que não acompanhá-la por cinco meses na turnê? Ele olha no relógio e avisa aos convidados reunidos na varanda do Consulado da França, em São Paulo, residência de Damien e Alexandra Loras, que seria a última pergunta. “Por acaso sou o marido de Carla Bruni e não posso chegar atrasado ao show dela. Tenho que estar lá e dizer que está tudo sob controle.” Sarkozy sabe que o ponteiro urge. Mas teve tempo de ir até o shopping Bourbon, na Pompéia, aplaudir de pé sua mulher, num camarote do teatro Bradesco, depois de ela cantar até Tom Jobim e desejar, meigamente, bonsoir a São Paulo. Colaborou Frederic Jean

Fotos: MIGUEL SCHINCARIOL/ AFP PHOTO; Marcos Alves/Ag. O Globo; LEONARDO BENASSATTO/FUTURA PRESS; GERARD CERLES/AFP/Getty Images