É difícil, mas o chamado quadrilátero da Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor) no Tatuapé, na zona leste de São Paulo, também vive momentos de tranquilidade. A calmaria, porém, pode ser quebrada a qualquer momento com o aviso de funcionários de que uma unidade ou outra da instituição “está virando” (se rebelando). Imediatamente, os jovens começam a subir nos telhados, armados com naifas (facas improvisadas) e pedaços de pau. O “choquinho” (divisão de segurança da Febem) entra em ação. Em seguida, vem a tropa de choque da PM. Aí, o estrago está feito.

Entre os jovens infratores há uma norma: se alguma unidade se rebela, as outras, em solidariedade, são obrigadas a “representar” (a aderir). Se isso não acontece, os adolescentes comportados são “jurados” e sofrem represálias dos demais. Na rebelião do dia 21 de fevereiro, apenas duas das 18 unidades do Tatuapé, a UI-16 e a UI-39 (que abriga os jovens do “seguro”, os ameaçados), não participaram. Informados por funcionários de que estavam “jurados”, no dia seguinte os internos da UI-16 fizeram um protesto solitário. Na atual onda de rebeliões –
já são 20, desde o início do ano, com 881 fugas –, não há reivindicações como melhoria de tratamento ou qualquer outra regalia. E muitas rebeliões iniciam-se com um simples boato de que uma ou outra unidade teria “virado” e as demais seriam obrigadas a dar apoio.

Para tentar conter os motins, o governador Geraldo Alckmin anunciou, na sexta-feira 18, a construção de 41 unidades no Estado e uma polêmica ajuda financeira a famílias de internos, sob a condição de que eles não participem desses movimentos. Mas o que está por trás dessa revolta, na verdade, são a insatisfação e a resistência de boa parte dos funcionários às mudanças feitas pelo secretário de Justiça do Estado e presidente da instituição, Alexandre de Moraes. Ele afastou e pediu a prisão, em janeiro, de 23 monitores acusados de tortura. Em fevereiro, decidiu demitir 1.751 funcionários.

Na maior de todas as rebeliões desde 1999, no dia 11, quando 307 jovens fugiram do complexo do Tatuapé, uma diretora de unidade disse ter sido avisada de que outras áreas teriam se rebelado. Ela afirma ter saído para comprovar a informação e, nesse intervalo, dez internos do “seguro” que estavam sob seus cuidados foram espancados pela tropa de choque da PM. No mesmo dia, jovens da mesma unidade iniciaram um “mutirão” de limpeza e remoção de móveis antigos. Espalhou-se o boato de que eles estavam rebelados e a notícia foi dada na Rede Globo. Situações como essas são suficientes para instalar o caos. “Existem aliados dos funcionários demitidos insuflando os meninos. Eles dizem que os processos vão atrasar, que os demitidos vão voltar e espancar todo o mundo. A notícia é plantada para desestabilizar”, denuncia o advogado Ariel de Castro Alves, da ONG Projeto Travessia e do Movimento Nacional de Direitos Humanos.

Em fevereiro, após uma decisão da Justiça favorável ao sindicato dos trabalhadores, em processo sobre a demissão dos 1.751 funcionários, espalhou-se também a informação de que a volta dos acusados de tortura já teria sido decidida e eles iriam se vingar dos adolescentes, o que instigou uma nova rebelião. Também quando o secretário Alexandre de Moraes ouvia relatos dos internos contra os espancadores, na unidade de Vila Maria, no dia 13 de janeiro, um motim foi iniciado no Tatuapé. O objetivo era que o secretário saísse da unidade de Vila Maria naquele momento. Na Justiça, também há um processo contra funcionários que provocavam rebeliões para prolongar sua permanência nas unidades e receber mais horas extras.