Deixando sua proverbial mineirice de lado, o deputado Tancredo Neves resumiu o desfecho da hecatombe política desencadeada pela renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961: “O espírito de 1932 transferiu-se de São Paulo para o Rio Grande do Sul. O Rio Grande salvou o País da guerra civil. Salvou as instituições.” Ele se referia ao vitorioso movimento de resistência cívica liderado pelo então governador gaúcho, Leonel Brizola, que impediu um golpe militar e garantiu a posse do vice-presidente constitucional, João Goulart. Jango, como o vice era conhecido, estava em viagem à China quando o homem da vassoura pediu o boné. A renúncia fora de um maquiavelismo de fancaria, pois Jânio sabia que os militares não aceitariam a posse de Jango, a quem consideravam um “perigoso esquerdista”. Sabe-se hoje que o tresloucado presidente esperava voltar ao Planalto com poderes ditatoriais, mas o golpe foi por água abaixo quando o Congresso aceitou a renúncia. O veto militar encontrou uma tenaz e inesperada oposição do governador gaúcho, que se entrincheirou no Palácio Piratini, mobilizou a Brigada Militar (a PM local) e distribuiu armas à população. Através do controle de uma rede de emissoras de rádio, que ficaria conhecida como “Cadeia da Legalidade”, Brizola conclamava o País a resistir contra os ministros militares: o general Odílio Denys, o almirante Sylvio Heck e o brigadeiro Grün Moss, que se arvoravam guardiães dos valores da “civilização ocidental e cristã”.

O movimento gaúcho acabou rachando as Forças Armadas ao conseguir a adesão do general Machado Lopes, comandante do III Exército – a força mais poderosa do Brasil, sediada em Porto Alegre –, à causa da legalidade. A vitória, contudo, foi manietada, já que o novo presidente, empossado no dia 7 de setembro de 1961, teve seus poderes diminuídos pela emenda constitucional que adotou o regime parlamentarista, o atalho encontrado pelas lideranças civis para evitar – ou melhor, adiar –, o confronto com as Forças Armadas. Este episódio memorável da história brasileira é agora resgatado no livro 1961 – que as armas não falem (Editora Senac, 410 páginas, R$ 38), dos jornalistas Paulo Markun e Duda Hamilton. “Foi um momento único de participação popular, de unidade e de busca de soluções políticas pelas lideranças parlamentares, num instante em que os militares fizeram a primeira tentativa frontal de afronta à Constituição”, diz Markun.

Sagacidade – Ainda segundo o jornalista, seria um equívoco simplista dizer que Brizola se engajou na resistência legalista simplesmente porque esperava obter dividendos políticos com a posse de Jango, de quem era cunhado. “Brizola, aliás, não se considera protagonista daqueles eventos. Ele acredita que a sociedade como um todo reagiu à tentativa golpista. Mas o governador teve a sagacidade de utilizar uma cadeia de rádio para organizar a resistência.” Os acontecimentos de 1961 foram um “ensaio geral” para a tragédia que se abateria sobre o Brasil algum tempo depois. João Goulart retomaria seus poderes em 1963, através de um plebiscito que restaurou o presidencialismo, mas os militares, finalmente, o derrubariam em março de 1964, quando, de acordo com Markun, conquistaram a opinião pública.