Há sete meses, um fax pousou na mesa do presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), com um relato das falcatruas de um de seus principais homens de confiança há mais de duas décadas. Em vez de mandar apurar as denúncias e afastar Rubens Gallerani, representante do governo da Bahia em Brasília, a única providência que ACM tomou foi aconselhar o amigo e fiel pupilo a esconder a sujeira. Chamou Gallerani à residência oficial da presidência do Senado e pediu que ele se reconciliasse com a autora do fax, sua ex-mulher Mara Lúcia, que estava disposta a mostrar todos os podres do marido numa ação litigiosa de separação. Na quarta-feira 8, quando soube que o jornal Correio Braziliense decidira revelar as maracutaias de Gallerani, Antônio Carlos acionou amigos e assessores para tentar evitar a publicação. Não conseguiu. Na manhã seguinte, o cacique baiano chegou ao Senado aparentando estar furioso. Mostrou-se, também, surpreso e indignado com as provas da prática de tráfico de influência, contratos de propina e remessa de milhares de dólares para as Ilhas Cayman. “Eu mandei o fax para que o senador soubesse que o Rubens não é nenhum santo”, disse Mara Lúcia a ISTOÉ. O problema para o senador é que, a vida toda com salário de funcionário público, Gallerani ganhou muito dinheiro sempre à sombra de ACM e em cargos de sua inteira confiança. Hoje ele é aposentado da Telebrás, onde entrou quando ACM era ministro das Comunicações.

Como de hábito, ACM disse que nada tinha a ver com a história. Assim como diz nada ter a ver com os negócios da família Magalhães na Bahia. O senador poderia ser chamado de ACM Ltda. Para montar seu império, colocou um seleto grupo de parentes e amigos à frente de negócios diretamente beneficiados por sua força política. Ao mesmo tempo que crescia a força econômica do clã dos Magalhães, o patriarca foi se afastando das formalidades contratuais. Optou por abrir o caminho para seu grupo ampliar os negócios e multiplicar as empresas. O nome de ACM mal aparece nos documentos. A assinatura muito menos. Mas a voz de comando é sempre a mesma. Foi a melhor forma de assegurar à família Magalhães um poderio político e econômico que os muitos anos de mandato lhe trouxeram. Antônio Carlos nega ter vínculos com a construtora OAS e o empresário Cesar de Araújo Mata Pires, seu genro. Como transferiu todos os negócios para os filhos, não figura nos registros em cartórios como parceiro de Mata Pires. Em compensação, o genro e um dos donos da OAS é sócio de filhos e netos do senador na Bahiapar Participações e Investimentos Ltda., a holding que comanda boa parte das empresas da família, conforme mostram documentos obtidos por ISTOÉ.

Novos negócios – A holding dos Magalhães não pára de gerar filhotes: fundada em agosto de 1992, a Bahiapar controla, por exemplo, as empresas Santa Helena Serviços de Informática e Comunicação, Salvadorsat Comunicações, Bahiasat, a Bahia Cabo Telecomunicações e a recém-criada Companhia de Investimentos e Participações. Com essas crias, a família planeja avançar sobre novos nichos, como o mercado de TV a cabo. Mas mantém o apetite por outros negócios. Os Magalhães são donos da Bahia Vídeo e da Bahia Eventos, que costuma dividir com o governo do Estado e a Prefeitura de Salvador a promoção de grandes espetáculos populares. O sócio majoritário nas duas é o primogênito de ACM, Antônio Carlos Magalhães Jr. O mercado parece tão bom que seu filho, Antônio Carlos Magalhães Neto, decidiu explorar o mesmo ramo. Abriu há alguns meses a Penta Eventos, mas não dispensou o cargo de assessor na Secretaria de Educação do Estado. ACM Jr., que é suplente do pai no Senado, divide com Cesar Mata Pires o comando dos negócios da família. No jornal Correio da Bahia é diferente: ACM continua aparecendo como um dos donos. O jornal foi fundado em 1978 pelo senador, que à época recrutou parentes, amigos e parceiros para compor o quadro de 27 acionistas, entre eles o deputado Félix Mendonça (PTB-BA) e o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima. Na Santa Helena Incorporações e Construções, a primeira investida empresarial de ACM, teve a ajuda financeira do ex-banqueiro Ângelo Calmon de Sá, e também compôs os conselhos da empresa com parentes e amigos.

Com a mesma facilidade que recorre a amigos, ele também os descarta. Em meio ao escândalo com seu ex-assessor especial no Ministério das Comunicações, ACM tratou de desqualificar a relação com Gallerani. Uma tarefa inglória. Rubens Gallerani vive no gabinete de Antônio Carlos, onde foi fotografado por ISTOÉ na quarta-feira 8, usa o carro oficial da presidência do Senado e tem uma filha trabalhando como secretária do senador. Antônio Carlos insiste na conduta adotada por ele sempre que um parceiro é envolvido em escândalos. Agiu assim, por exemplo, com o próprio Ângelo Calmon de Sá quando caiu em desgraça com a abertura da caixa-preta do Banco Econômico. De nada adiantou o fato de o ex-banqueiro ter sido financiador de suas campanhas eleitorais e de seus primeiros negócios.

No caso Gallerani, a omissão de ACM depois de ter recebido o fax de Mara Lúcia é ainda mais complicada. As provas contra seu ex-assessor são contundentes. Em 1992, ele chegou a fazer um contrato de propina em que uma empresa se compromete a pagar US$ 500 mil em troca da vitória em uma concorrência da Empresa de Correios e Telégrafos. Nessa mesma época, Gallerani comprou por US$ 105 mil uma casa em Boca Raton, na Flórida. Já era um homem rico. Havia engordado seu patrimônio quando foi assessor especial de ACM durante o governo José Sarney. Outra acusação grave é mais recente: ter atuado como lobista para facilitar a contratação em Brasília da empresa paulista Aceco Produtos para Escritórios e Informática. Sua atuação foi descoberta numa escuta telefônica. Em janeiro último, numa conversa grampeada, Elpídio Almir, braço direito de Gallerani na representação do governo da Bahia em Brasília, dá uma boa notícia ao chefe. “Dr. Rubens, saiu o dinheiro da Aceco.” Só este ano a Aceco embolsou em Brasília R$ 13 milhões. Entre outros, tem contratos milionários com o Senado, todos assinados na gestão de ACM. Foi gasto R$ 1,2 milhão só para troca de mobiliário da biblioteca do Senado. No Prodasen, a empresa de processamento de dados do Senado, a Aceco abocanhou, sem passar por nenhuma seleção, um contrato de R$ 4,5 milhões. “O que aconteceu fora do Prodasen, não sei. Mas aqui nossa opção foi técnica”, defende-se a diretora do órgão, Regina Célia Peres Borges, que voltou ao cargo pelas mãos de Antônio Carlos e foi casada com um primo do governador da Bahia, César Borges.

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Regina Borges diz que dispensou a licitação por ser a Aceco a única fornecedora no País de salas-cofre para a guarda de centrais de processamento, um equipamento importado da Alemanha. A transação está sendo investigada pelo Ministério Público. “Há um procedimento administrativo que se originou de uma reclamação da empresa NG Máquinas e Sistemas de Arquivos Ltda., que se sentiu prejudicada por não ter podido participar da licitação”, diz a procuradora da República Eliane Torelly. Não é a primeira vez que a Aceco é acusada de ser favorecida em vendas para órgãos públicos. Em 1999, o Tribunal Regional Federal em Brasília foi obrigado a anular uma concorrência por causa da suspeita de que o edital estava dirigido para a empresa. Pelo mesmo motivo, o Tribunal de Contas da União determinou o cancelamento de uma compra feita pela Agência Brasileira de Informação, ligada à Presidência da República.

Os negócios e o patrimônio de Rubens Gallerani vão sofrer agora uma devassa. O MP está requisitando à Receita Federal instauração de uma auditoria fiscal para apurar como o protegido de ACM reuniu bens avaliados em R$ 3 milhões tendo como única fonte de renda vencimentos de funcionário público. Os procuradores avaliam que Gallerani poderá ser processado por evasão de divisas, sonegação fiscal, favorecimento de empresas e tráfico de influência. “Essas denúncias são gravíssimas”, avalia o procurador Luiz Francisco de Souza. O curioso nessa história é que se for criada uma comissão parlamentar para investigar os políticos – como há 20 dias propôs Antônio Carlos, em mais um lance da guerra que trava com o presidente do PMDB, senador Jader Barbalho (PA) – o Congresso certamente terá de apurar quem dava respaldo à rendosa atividade de lobista de Gallerani. Também terá de ir fundo na acusação da Polícia Federal de que a OAS da família Magalhães deu um golpe de US$ 500 milhões, conforme publicou ISTOÉ na semana passada.

No precipício
A menos de três meses do fim do mandato de presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães perdeu o apoio do PFL na luta para impedir que o peemedebista Jader Barbalho seja seu sucessor. Na terça-feira 14 a bancada do PFL vai se reunir para nomear formalmente o senador Hugo Napoleão (PFL-PI) como negociador do partido para as eleições das mesas da Câmara e do Senado. A cúpula pefelista considera que, desde que resolveu levar às últimas consequências a briga com Jader, ACM botou o PFL à beira do precipício. Derrotar Jader, na contabilidade do PFL, terá um preço alto demais. De principal aliado da composição governista, o partido corre o risco de ficar de fora do comando das duas Casas e perder espaço no processo sucessório de 2002. Depois de passar a semana em inúmeras reuniões, a cúpula do PFL resolveu que a prioridade é salvar a candidatura do correligionário Inocêncio Oliveira à presidência da Câmara, seriamente ameaçada pelo possível apoio do PMDB ao candidato tucano, deputado Aécio Neves (MG). Mas sair dessa enrascada exige uma engenhosa estratégia política. No início da semana, o PFL e ACM vão sinalizar apoio ao nome do peemedebista José Sarney (AP). Ao contrário de Antônio Carlos, a cúpula pefelista acredita que Sarney jamais enfrentará Jader no PMDB. Mas a manifestação de apoio forçará o ex-presidente a descer do muro e dizer que nunca esteve no páreo. Livre do candidato de ACM, o PFL poderá, então, negociar com o PMDB a dobradinha Jader/Inocêncio. Pode ser tarde demais.
Isabela Abdala
“Ele não era santo”
Fotos: Ricardo Stuckert
Mara: ex-mulher tem provas

Uma acusação de estupro levou à Delegacia da Mulher o lobista Rubens Gallerani, amigo de ACM. Ali, entre perguntas constrangedoras e desabafos fora dos autos, conheceu e se apaixonou pela delegada Débora Menezes. O caso acabou arquivado, mas teve um preço: R$ 40 mil, usados por Débora numa recauchutada no visual. Quando a Corregedoria da Polícia descobriu, montou-se um dossiê que foi parar nas mãos de Mara Lúcia, ex-mulher de Rubens. O processo de separação virou um escândalo com extratos de contas milionárias, registros de propriedades e até fotos de farras.

ISTOÉ – A sra. enviou um fax ao senador ACM?
Mara Lúcia – Há sete meses. Eu digo (no fax) pra ele que o Rubens estava abusando da boa vontade e da confiança tanto minha quanto dele. Tudo que Rubens tinha, devia a ele. O ACM tem o fax. O senador não tem cul-pa alguma. Ele tinha que saber que Rubens não é santo.

ISTOÉ – Como é a relação dele com o senador?
Mara – Aparentemente muita intimidade, mas ele sempre respeitou o senador. Não existe uma relação de o Rubens pedir e o senador fazer. Talvez ele faça alguma coisa que o Rubens peça para os filhos, mas sem se comprometer.

ISTOÉ – Ele conhece o senador há mais de dez anos?
Mara – Muito mais. Quanto eu conheci o Rubens (foram casados por 20 anos), ele já trabalhava com o senador.

ISTOÉ – Por que Marcelo, filho de seu ex-marido, tem uma carteira de assessor da presidência do Senado?
Mara – Não sei, isso é coisa de rapaz.

ISTOÉ – Como encarou o caso dele com a delegada Débora?
Mara – Ele dizia que não tinha nada com ela, que eram só os R$ 40 mil que o professor (João Carlos) Di Gênio havia dado a ele para que ela fizesse uma tal cartilha da mulher.

ISTOÉ – E essa cartilha chegou a ser feita?
Mara – Era conversa. Estive com o doutor Laerte (Bessa, diretor), da Polícia Civil, várias vezes e ele ficou irritado porque não tinha conhecimento disso.

ISTOÉ – Quem sabe mais sobre esse negócio dos R$ 40 mil?
Mara – A Polícia Civil tem isso tudo num processo.

ISTOÉ – A sra. conhecia o patrimônio de Rubens?
Mara – Sabia do declarado no Imposto de Renda, mas algumas coisas que ele comprava e vendia eu não sabia.


ISTOÉ – Ele tem um imóvel no Lago Norte…
Mara – São dois terrenos com casa, piscina, quadra de tênis e churrasqueira. Ele gosta de ir lá.

ISTOÉ – Teve movimentação bancária em Ponta Porã?
Mara – Sim, com R$ 450 mil.

ISTOÉ – A sra. conhecia a conta em Cayman?
Mara – Tive conhecimento quando me entregaram umas fotos íntimas do Rubens em farras, inclusive com a delegada Débora.

ISTOÉ – Houve algum envolvimento do seu ex-marido com o embaixador e a embaixatriz da República Tcheca?
Mara – Olha, são pessoas mais liberais, que gostavam de muita diversão. Houve mais molecagem.

ISTOÉ – Ele tem uma casa em Boca Raton (EUA)?
Mara – Tem. Já fomos lá. Só que não é declarada.

ISTOÉ – O que mais ele tem?
Mara – A casa, os terrenos, a casa da QI 9, a casa de Boca Raton, dois flats no Lake Side, dois flats no Manhattan.

ISTOÉ – Ele tinha conta no Citibank?
Mara – Não é a conta no Exterior? A maioria dos depósitos, assim tipo Ilhas Cayman e Ponta Porã, estão todos no processo. Agora, esse do Citibank eu teria que olhar…

ISTOÉ – Como está o processo de separação?
Mara – Foi pedida a quebra do sigilo bancário dele. Tenho provas dos negócios ilegais e a lista de seu patrimônio.

 


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