Autor de letras verborrágicas que muitos consideram precursoras do rap, o cantor e compositor americano Lou Reed, o grande cronista do submundo de Nova York, é um homem de poucas palavras, que injeta em cada frase uma ironia fina e calculada. Antes de embarcar para o Brasil, onde apresenta no Credicard Hall, em São Paulo, na terça-feira 14, a Ecstasy Tour, o roqueiro de 58 anos e uma discografia solo de 19 álbuns falou com ISTOÉ pelo telefone de Buenos Aires. Nova-iorquino, achou curioso o fato de estar ligando da Argentina para um jornalista brasileiro baseado em Nova York. Hospedado no mesmo hotel que os garotos do Hanson, Reed comentou a algazarra das fãs do grupo adolescente. Ao ser lembrado de que no meio delas deveria ter uma boa quantidade de admiradoras suas, ele retrucou: “Só se for nos fundos.” Com o mesmo espírito jocoso, o músico que se julga um roqueiro sério disse que espera encontrar no Brasil muitos “biquínis fio-dental”.

ISTOÉ – Algumas pessoas acreditam que o CD Ecstasy é um tributo à droga do mesmo nome. Mas você já disse que o título tem mais a ver com outro significado. Ou seja: a visão que alguém tem ao sair de si mesmo. Poderia explicar melhor este conceito?
Lou Reed – No sentido clássico da palavra, que vem do grego, ecstasy significa sair de si para se ter uma visão de fora. Tem mais a ver com uma postura, um estado extático. O álbum procura mostrar musicalmente o que é a postura de êxtase. Procuro reproduzir o que as pessoas sentem quando estão num estado extático.

ISTOÉ – Você afirmou que Raymond Chandler (escritor americano de novelas policiais) é uma das suas inspirações. Como se dá esta influência?
Reed – É verdade. Ele usava uma linguagem compreensível por todos os estratos sociais, escrevendo de um modo curto e muito visual. Sua obra é incrivelmente concisa e visceral. Este estilo me agrada muito. Procuro escrever do mesmo jeito.

Reed, no início da carreira solo: cronista roqueiro do submundo

ISTOÉ – Você chegou a pensar em escrever uma novela policial. Como ficou o projeto?
Reed – Uma parte desta obra desapareceu dentro do álbum Ecstasy. A novela que eu estava escrevendo foi aproveitada na criação das canções do álbum.

ISTOÉ – E a peça Poe-try, baseada na obra de Edgar Allan Poe, que você fez em parceria com o diretor Robert Wilson?
Reed – Robert Wilson deu a idéia. Eu escrevi a coisa toda. A peça está no teatro Thalia, de Hamburgo, na Alemanha. Espero que ela também faça uma turnê, no próximo ano, mas não tenho certeza disso. De qualquer modo, vou gravar as canções da peça no ano que vem. Vai ser um projeto excitante.

ISTOÉ – A compositora Laurie Anderson (companheira de Reed) participou do disco tocando violino em duas canções. Esta colaboração vai continuar?
Reed – Ela tocou muito bem. Foi uma participação valiosa e muito divertida. Ela é um gênio. Espero continuar o trabalho conjunto. Isto seria superlegal.

ISTOÉ – Existe algum músico brasileiro que admira? Você ouve música brasileira?
Reed – Claro! Principalmente Caetano Veloso. Gosto dele.

ISTOÉ – Tem planos de se encontrar com algum músico brasileiro nesta visita?
Reed – Talvez você possa me fazer alguma recomendação. Sempre estou interessado em conhecer outros músicos.

ISTOÉ – E o que espera desta passagem pelo Brasil?
Reed – Espero encontrar biquínis fio-dental (risos).

ISTOÉ – Você não terá dificuldade em encontrá-los: é quase verão no Brasil.
Reed – É por isso que vim nesta época.

ISTOÉ – Os críticos americanos costumam dizer que sua musica é universal, embora seja tipicamente americana. Concorda com isso?
Reed – Minha música é eminentemente americana. Mas ela deve ser mesmo universal, uma vez que eu viajo pelo mundo afora e as pessoas parecem responder bem.

ISTOÉ – O que significa para você sua inclusão recente no hall da fama do rock-n’-roll?
Reed – Fiquei feliz pelo Velvet Underground (grupo dos anos 60/70 que lançou a carreira de Reed) receber finalmente o reconhecimento que lhe é merecido. Eles deveriam ter colocado o Velvet Underground há mais tempo. Deste modo, o Sterling (Morrison – baixista) estaria vivo e poderia ter recebido também esta homenagem merecida. O fato de o Sterling não ter presenciado esta homenagem me deixou muito triste.

ISTOÉ – Gosta de rap?
Reed – Claro! Dá para não gostar? É a música dos garotos.

ISTOÉ – Você sempre foi considerado um compositor sério. Será que o rock pode ser considerado música séria?
Reed – Não sei. Isto quem deve dizer são vocês críticos. Eu, obviamente, sou muito sério, como você pode sentir nesta conversa. Componho também formas musicais que empregam muita seriedade. Metal talk, por exemplo, feita para a peça Poe-try, foi executada por um grupo erudito de vanguarda. Críticos de música clássica a analisaram em Berlim e a consideraram substancialmente séria. Isto é bastante interessante.

ISTOÉ – Ao mesmo tempo, você é considerado um dos pais da chamada música industrial, hoje tão em voga.
Reed – Toquei este tipo de som desde o primeiro dia de minha carreira. Sempre fiz som industrial.

ISTOÉ – Como analisa a cópia feita hoje?
Reed – Bem, as cores para se fazer uma tela estão à disposição de todos. O mesmo se dá com os sons. O rock é democrático.