Quem conseguir atravessar os intermináveis primeiros minutos do filme De cara limpa (Brasil, 2000), em cartaz em São Paulo, um desfile de escatologia e pornografia de esvaziar cinema, vai se deparar com um trabalho interessante. Umas das principais virtudes do filme de Sérgio Lerrer – gaúcho radicado em São Paulo, produtor dos curtas de Carlos Gerbase, entre outros – é encarar de frente os defeitos e acertos do roteiro do estreante Vinícius Campos, 21 anos. Com isso, criou um retrato fiel de um grupo de jovens de classe média baixa, revelando suas aspirações, macaquices e falta de informação. Um trabalho que tem outro mérito, além de ser o primeiro longa-metragem brasileiro de ficção feito em vídeo digital. Custou apenas US$ 130 mil, sem o auxílio de qualquer lei de incentivo.

Contando com um elenco de caras desconhecidas, exceção feita à veterana Tina Rinaldi e aos apresentadores Marcos Mion, Silvinha Faro e Bárbara Paz, todos da MTV, Lerrer optou por uma linguagem ágil, caprichando nos cortes e na sonorização, surpreendentemente decente, com diálogos bem encadeados e audíveis. Recebido com certo entusiasmo pelo público da 24ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, encerrada na semana passada, o filme é recheado de gags. A primeira delas é a própria trilha sonora ao vivo, a cargo do grupo jurássico Os Pholhas e do cantor brega-psicodélico Ovelha, que repetem a hilária participação de Jonathan Richman em Quem vai casar com Mary?, dos irmãos Farrelly. Outra piada, mais radical, vem da utilização de letreiros, apesar de o filme ser falado em português. “Os filmes estrangeiros fazem sucesso por isso, já que o público se distrai lendo e não percebe os defeitos”, justifica o roteirista Campos, com sua sabedoria teen.