Nascido numa geração que, sem desfrutar os confortos do carro, andava muito a pé, o fotógrafo paulista Cristiano Mascaro, 56 anos, lembra das caminhadas pelo viaduto do Chá e do fascínio que tinha pela paisagem urbana de São Paulo. Tanto que se formou em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Mas desde então só projetou uma casa, a sua. Acabou mesmo se tornando um construtor de imagens, diante de uma inspiração maior, os filmes em preto-e-branco da nouvelle vague francesa. A arquitetura, no entanto, o acompanhou. Alguns de seus instantâneos pareciam saídos de uma prancheta, tal a precisão e o apuro das linhas, quase geométricas. As 150 fotos de São Paulo (Editora Senac, 200 págs., R$ 70), seu terceiro livro, que originou uma exposição com 60 trabalhos no Sesc Pompéia, na capital paulista, não remete à primeira vista ao rigor calculado de seus trabalhos anteriores. É despretensioso, quase banal em seu registro aleatório da metrópole e de diversas cidades do interior do Estado. “Meu desafio foi surpreender pela desimportância”, diz ele.

Talvez por isso, o livro seja seu trabalho de maior apelo poético. “Trata-se de uma forma de reconstruir a realidade, que é desfeita e refeita”, conjectura o fotógrafo. No prefácio do livro, o escritor Ignácio de Loyola Brandão esmiúça as referências nobres à produção atual de Mascaro. Lembra do pintor Gregório Gruber ao comentar as luzes fantasmagóricas de um posto de gasolina e acerta ao dizer que seu autor é um “fotógrafo de atmosferas”. São Paulo é, portanto, uma feliz exceção entre os livros de fotografias vendidos no País. Uns exploram o escândalo da natureza, outros o escândalo da pobreza. Mascaro registra cenas de grande beleza, nas quais nada parece acontecer. “É o cotidiano aparentemente vazio, rasteiro”, define ele.

luzes em São Carlos (acima) e festa em Botucatu

Achados – O conjunto de fotos tem uma grande força autoral. Resultado de um ano e meio de trabalho, ele registra as viagens que Mascaro fez pelo litoral e interior de São Paulo. “Não sei quantos quilômetros viajei, quantos filmes gastei ou quantas cidades visitei”, afirma o fotógrafo, que passava 15 dias por mês longe da família. Guiou o próprio carro, um Gol 1995 com o ar-condicionado quebrado. Na bagagem, apenas uma garrafa térmica, um cobertor e uma almofada. E, é claro, sua Leica 35 mm.

ILHA Comprida e caipira em Rio Pardo: viagem aleatória

Na viagem despojada, registrou achados interessantes. Posteriormente, na edição das fotos, reforçou os paralelos curiosos. Numa página do livro, por exemplo, despontam vários homens maçudos agarrando um
pau-de-sebo. No esforço, a mão de dois deles se tocam. Na sequência seguinte, dois clubbers também tocam as mãos, só que numa situação bem mais lânguida. São Paulo permite várias descobertas.