Enfrentar temperaturas de até 34º negativos, caminhar dias a fio sobre uma silenciosa imensidão de gelo, degustar um lombo de baleia e uma costelinha de foca e compará-las à mais refinada iguaria. O fotógrafo paulistano Camille Kachani, 37 anos, encarou todos esses desafios para realizar um sonho: clicar um urso polar em seu habitat, o Pólo Norte.

As paisagens árticas há muito causam fascínio no homem. As expedições ao Pólo Norte tiveram início na metade do século XIX. Diversos exploradores tentaram, em vão, atingir a latitude máxima da Terra. Em 1909, o americano Robert Edwin Peary chegou ao Eldorado da exploração científica da época. Na reta final, atropelou o norueguês Roald Amundsen. Possesso, Amundsen foi tentar a sorte na outra extremidade do globo e fincou a bandeira de seu país no Pólo Sul.

O fotógrafo brasileiro começou a se aventurar pelo Ártico em 1991. Nesses nove anos esteve por cinco vezes na gigantesca fábrica de gelo. A obsessão foi provocada por algumas fotos publicadas em uma revista científica americana. As imagens mostravam a ilha de Ellesmere, Extremo Norte do Canadá. “Fiquei chocado ao saber que a 300 km do Pólo Norte havia tanta vida e uma quantidade tão grande de bichos”, diz.

Camille Kachani, ao lado de um esquimó: alimento ao urso e o sonho de fotografar uma família inteira

Kachani foi então procurar uma maneira de chegar até lá. Alguns contatos e descobriu que uma equipe canadense estava partindo para uma exploração na região. Juntou-se ao grupo e foi conferir a beleza ártica. “Ali eu entendi o lugar do homem na natureza. Não há proteção. Lá, o homem é obrigado a viver como qualquer outro animal”, revela.

Pode parecer brincadeira, mas Kachani traça um paralelo entre a quente e úmida Amazônia com o frio e seco Pólo. O motivo da comparação é um só: a predatória ação do homem. Para ele, os dois sistemas são muito semelhantes: grandes, complexos e frágeis. A mineração, exploração de petróleo e a chuva ácida estão abreviando a vida de espécimes muito ameaçadas de extinção. Entre elas o urso polar, o motivo de sua ida ao Ártico este ano.

O encontro com a bela e temível criatura deveria ter-se dado no ano passado. O El Niño frustrou os planos. O fenômeno causou o deslocamento de 200 km de blocos de gelo. A frustração se transformou no combustível de Kachani. Em setembro deste ano, ele voltou ao Pólo decidido a fotografar o animal a qualquer custo. Com ele, o amigo brasileiro Daniel Trakis Betrigier, três colegas franceses e a família de guias esquimós: o capitão Paloosie, seu filho Looti e seu sobrinho.

O sonhado encontro se deu em um lugar perdido no nada chamado Kivitto. Tão sonhado quanto aterrador. Nanuk, urso no dialeto esquimó, estava faminto. Deveria estar há semanas à caça de uma foca. O grupo se alojou em uma pequena cabana que servia de base para expedições de caça dos esquimós. De lá, assistia inerte às tentativas de Nanuk de entrar no casebre. Desesperado, o urso chegou a comer um pedaço de madeira da pequena casa. De caçadores, Kachani e seus amigos viraram caça.

 

 

Só havia um jeito para acalmar a fera: arrumar-lhe uma boa refeição. Aproveitando um momento de sono do bicho, o grupo se lançou ao mar. A pescaria rendeu duas focas. A menor foi parar no estômago de Kachani e seus amigos. A maior foi um presente para Nanuk. O banquete do urso era o momento ideal para a velha Nikon entrar em ação. Kachani saiu da cabana e conseguiu fazer alguns rolos de filme sem ser incomodado. A alegria durou pouco. Nanuk percebeu sua presença e avançou em sua direção. A velocidade do urso é espantosa. Um desesperado Kachani se lança a correr. Por um milagre consegue chegar à cabana. Nos dias seguintes, o fotógrafo ainda conseguiu registrar mais duas fêmeas, cada uma com dois filhotes. Eles fazem parte da galeria com mais de 4.000 cromos. Ano que vem tem mais. Dessa vez o alvo é o lobo do Ártico. Kachani conta os dias. Restam poucos lobos. Quanto maior a demora, menor a chance de encontrar algum vivo.