As eleições para a escolha do substituto do presidente Bill Clinton na Casa Branca e renovação de parte do Congresso e dos governos estaduais dos Estados Unidos – que começaram como uma entediante disputa entre o vice-presidente Albert Gore Jr., candidato pelo Partido Democrata, e o governador do Texas George W. Bush, do Partido Republicano, filho do ex-presidente George Bush – acabaram se transformando no mais acirrado e confuso pleito do século, cujo vencedor ainda era desconhecido dias depois de fechadas as urnas. Nesse panorama, a primeira-dama Hillary Clinton, eleita para o Senado por Nova York, virou a grande estrela da eleição americana.

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A trajetória de Hillary Rodham Clinton tem a tortuosidade melodramática das novelas históricas populares. Um enredo cheio de reviravoltas, com derrotas, humilhações e também grandes vitórias, sempre resultantes de batalhas empolgantes. Ela é a primeira-dama americana mais vilipendiada de todos os tempos, mas também a única a ser eleita senadora. Em julho de 1999, ainda sob o impacto da confissão mundialmente pública de infidelidade conjugal de seu marido, o presidente Bill Clinton, e durante o processo de impeachment presidencial, Hillary anunciou sua candidatura ao Senado num Estado onde nunca manteve residência. Durante 16 meses, ela peregrinou por todos os 62 municípios do território, enfrentou dois candidatos republicanos diferentes – entre eles o poderoso prefeito Rudy Giuliani – e gastou cerca de US$ 50 milhões numa campanha que já é considerada a mais cara da história. Enfrentou acusações de ser oportunista como os mascates de folhetins, de ter ambição desmedida, de ser pusilânime o suficiente para fechar os olhos aos pecados do marido em troca de poder político, de ter aceitado dinheiro e compactuado com terroristas que explodiram o destróier Cole, no Iêmen, e até de ser anti-semita. O esforço de uma campanha feita à moda antiga, de porta em porta e gastando muita sola de sapato (32 pares destruídos, segundo seus assessores), finalmente foi recompensado. Na terça-feira 7, nada menos que 58% dos eleitores de Nova York a escolheram para representá-los no próximo Congresso americano. Doze pontos porcentuais a mais do que seu rival Rick Lazio, 42, o deputado federal republicano por Long Island. Depois de passar 24 anos como mulher de Bill Clinton, quase oito anos na Casa Branca, agregada, para o bem ou para o mal, aos satélites que orbitavam em torno do presidente, Hillary, 53 anos, ganhou luz própria e se transformou na grande estrela do cenário político do país.

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O jornal The New York Times afirmou que caso Al Gore perca as eleições presidenciais, Hillary Clinton se transformará na figura mais importante do Partido Democrata. E mesmo que o vice-presidente atual consiga derrotar o republicano George W. Bush, a futura senadora por Nova York terá lugar de destaque entre os grandes no panteão do partido. Trata-se de uma impressionante recuperação de imagem e poder. Principalmente para alguém que, até meados de 1999, o futuro parecia reservar apenas a pecha de “mulher traída e conformada”. Há um ano e meio, numa reunião partidária em Chicago, o deputado federal pelo distrito do Harlem, Charles Rangel, aproximou-se da primeira-dama e arriscou um convite para que ela concorresse à vaga do senador Daniel Patrick Moynihan, que estava para se aposentar. “Ela me perguntou quem iria votar nela em Nova York, como que negando interesse. Mas eu vi um brilho em seus olhos. Sabia que era questão apenas de começar um namoro para que desse casamento. Em Nova York, o partido estava apavorado com a possibilidade de Giuliani ganhar a vaga no Senado e não tínhamos uma melhor opção do que Hillary. Só nos restava insistir. O resto é história”, disse Rangel a ISTOÉ na semana passada. Em julho, ainda em meio às turbulências do affair Monica Lewinsky, Hillary foi à casa de Moyniham para pedir sua bênção à candidatura.

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Clinton, Chelsea, Hillary e o cão “Buddy”, pouco depois que o presidente admitiu ter mantido relações sexuais com Monica Lewinsky

Estratégia vitoriosa – Depois do anúncio oficial, a maratona de visitas de campanha aos municípios do Estado começou de modo frenético. Hillary foi buscar primeiro os votos dos redutos conservadores e republicanos no norte do Estado. Sabe-se agora que sua estratégia acertou no alvo: ela conseguiu 47% dos votos daquele território, quebrando a espinha dorsal republicana. Em três semanas, que culminaram em maio passado, o poderoso Giuliani retirou sua candidatura depois de ser diagnosticado com câncer na próstata e ser flagrado passeando com uma namorada, o que provocou uma tumultuada separação de sua mulher.

No dia seguinte à sua eleição, Hillary teve recepção de ídolo das telas na Grand Central Station, a tradicional estação de trem no coração de Manhattan. Mais uma demonstração de que a primeira-dama agora desfruta de brilho próprio, longe do marido. Já na festa do discurso de vitória num hotel do centro, o presidente ficou na retaguarda, no fundo do palco e não teve sequer o gosto de posar ao lado da esposa para erguer seu braço. Clinton se limitou aos aplausos e a enxugar lágrimas dos olhos, enquanto a filha Chelsea e o outro senador nova-iorquino, Charles Schumer, serviam de escudeiros da dona da festa. Para dissipar qualquer fofoca, Hillary fez questão de agradecer a ajuda inestimável que recebeu daquele que é considerado o maior comandante de campanha dos EUA: “Eu não estaria aqui se não fosse a enorme ajuda de meu marido”, concedeu.

Até o dia 20 de janeiro de 2001 continuará desempenhando as funções de primeira-dama. Nos próximos dias, ela acompanhará o marido na primeira visita oficial de um presidente americano ao Vietnã. Ao mesmo tempo monta seu quartel-general em Washington e faz os contatos políticos para enfrentar a guerra que terá pela frente no Congresso. Será então a vez de Bill virar apenas um coadjuvante nesta novela.