A humanidade conta a passagem do tempo há pelo menos 20 mil anos. Começou com marcas em ossos e gravetos. Passou para os relógios de sol e de água, onde o tempo fluía sem cessar. Os artesãos medievais chegaram ao relógio mecânico e, daí para a frente, a busca por instrumentos mais precisos não parou de acelerar. Na história do tempo, porém, nada foi tão marcante quanto as teorias do físico Albert Einstein, cujas principais obras completam um século em 2005, o Ano Mundial da Física. Até o final do século XIX, os cientistas acreditavam estar perto de uma descrição completa do Universo. Imaginavam que o espaço era um meio contínuo chamado éter, por onde circulavam os raios de luz e os sinais de rádio, assim como as ondas sonoras flutuavam no ar. Faltava apenas determinar as propriedades do éter. E foi aí que entrou o terremoto Einstein. Em cinco trabalhos publicados em 1905, ele mostrou que não havia o éter, que as leis da ciência são imutáveis e que a luz viajava sempre à mesma velocidade, independentemente de quem a visse. Com isso, foi preciso abandonar a idéia de um tempo universal, idêntico em todos os relógios do mundo. A partir de Einstein, e de sua teoria da relatividade, cada um teria sua própria medida do tempo.

À medida que os relógios de precisão se sofisticaram, a velocidade se tornou vital. Cada vez mais se delimita o tempo em fatias mais finas do segundo. Com isso se ergueram as bases para o surgimento de uma civilização atenta à passagem do tempo, preocupada com a produtividade e o desempenho. Com o avanço das tecnologias, dos relógios atômicos e dos sistemas guiados por satélites, é possível investigar onde os olhos não alcançam. Nos laboratórios, os transistores trocam mensagens mais rápido do que um milésimo de um bilionésimo de segundo. No corpo humano, um segundo marca o intervalo em que o coração de uma pessoa saudável bate uma vez. Nesse mesmo lapso de tempo, a Terra percorre 30 quilômetros em sua órbita em torno do Sol. E o Sol se desloca 274 quilômetros em sua trajetória pela galáxia.

A capacidade de transcender o tempo e o esforço, seja na internet, seja pilotando um avião guiado por satélite, nos permite acelerar o ritmo da vida e dilatar os limites da velocidade. Por isso nos vem a sensação de ter menos horas disponíveis para os momentos de pausa e de ócio. Alguns teóricos da nova era pregam que o tempo no século XXI é equivalente ao que os combustíveis fósseis e os metais preciosos foram em outras ocasiões da história.

Minuciosamente cronometrado, ele é nossa maior riqueza individual, o nosso capital. Além de matéria-prima da economia erguida com base em informações guardadas em arquivos digitais e transmitidas por linhas telefônicas. “Uma parte dos problemas atuais é efeito do fato de que nossa cultura imagina ser carente de tempo. No futuro, o homem revelar-se-á um bom ou mau recurso natural em função da maneira como administra sua relação com o tempo”, diz a física Bodil Jönsson, da Universidade sueca de Lund, autora de Dez considerações sobre o tempo.

Tempo é dinheiro – Um professor britânico chegou ao cúmulo de bolar uma equação matemática para calcular o desperdício das horas. Na ponta do lápis, Ian Walker traduziu o bordão tempo é dinheiro. Contabilizou que três minutos escovando os dentes equivalem a R$ 1,30. Pela mesma equação, o professor da Universidade de Warwick calculou que um cidadão britânico médio deixa de ganhar quase R$ 13 para cada meia hora perdida lavando o carro.

Há quem diga que a mais profunda transição entre a Idade da Pedra e a atual Era da Informação está na experiência subjetiva da passagem das horas. Como a sociedade do conhecimento e dos veículos de comunicação modelou o passo da economia digital, o resultado prático é que não há intervalos nem pausas. Outro fator que multiplica a angústia no mundo do excesso de informações é que comprimimos no mesmo período uma série de novas atividades. Aulas de inglês, francês, espanhol, natação, ioga, pós-graduação, cursos de reciclagem, cabeleireiro, supermercado. A era da tecnologia e do mundo global é marcada pela eterna competição. Se o concorrente pode estar realmente do outro lado do planeta, o elixir do sucesso é a produtividade.

No mundo dos negócios, tudo começou a acelerar a partir da década de 1980, quando as entregas pelo correio de um dia para o outro mostraram que a comunicação entre empresas podia ser mais rápida. Desde então, o ritmo se acelera sem cansar. Na era da internet, tudo acontece em todos os lugares ao mesmo tempo. Não há fuso horário nem fronteiras geográficas. Uma pessoa em seu computador pode acompanhar e negociar do Recife as ações na Bolsa de Tóquio.

Não se pode atribuir à internet a conquista do tempo sobre o espaço. O tempo é medido com mais precisão que qualquer outra entidade física. Por isso, ele é usado para mensurar dimensões espaciais e também para guiar os satélites, que transmitem em tempo real sua localização geográfica. Um erro de um milionésimo de segundo em um dos satélites poderia falsear a localização de um barco em até 300 metros. Com tanto avanço, a essência do tempo permanece um enigma para físicos, filósofos e antropólogos. Os cientistas se dedicam a estudar as áreas do cérebro que produzem a sensação de que as horas voam quando nos divertimos. Ou de que os ponteiros se arrastam pesadamente durante uma palestra desinteressante.

Como a passagem do tempo não passa de abstração, os pensadores questionam nossa sensação de correria constante. “Não somos mais senhores do nosso tempo. Esse vazio nos leva a preencher e a matar o tempo com coisas que não são importantes. As pessoas não sabem o que fazer com o horário livre”, diz a filósofa Olgária Matos, da Universidade de São Paulo. Esse é o mal do mundo contemporâneo, ela diz. “O tempo livre não é livre, é sem sentido.”

Para os físicos, ele é simplesmente o que os relógios medem. Na Grécia antiga, os filósofos comparavam o correr das horas a um rio ou ainda a uma flecha que parte do passado em direção ao futuro, passando pelo aqui e agora. Com os conceitos propostos pela relatividade de Einstein, pode-se dizer que o tempo é um rio – ou uma flecha – que vai em qualquer direção. Numa carta a um amigo, Einstein explicou-se: “O passado, o presente e o futuro são apenas ilusões, ainda que tenazes.”

Mesmo que seja difícil entender conceitos complexos como a teoria da relatividade, o que ela propõe é a negação do significado absoluto e universal do momento presente. Para Einstein, a observação de um evento será diferente conforme a velocidade, a posição e o olhar do observador. Portanto, é relativa. De forma simples se poderia dizer que a grande novidade das teses de Einstein é que o tempo não é mais definido em relação ao movimento da Terra, mas sim em relação à velocidade da luz. Com isso, espaço e luz se ligam e o tempo se torna a quarta dimensão do espaço, o que se chamou de espaço-tempo. Antes de Einstein, considerava-se o tempo como absoluto e universal, igual para todos. Na teoria da relatividade, quando dois observadores se movem de maneiras diferentes, eles experimentam durações diferentes do passar das horas.

Há 100 anos, ninguém suspeitava que a teoria da relatividade geral criaria tantos problemas. “Antes não existiam o universo curvo, o espaço-tempo curvo, nem o universo em expansão, ninguém pensava nisso. Foi uma surpresa para o próprio Einstein, e muitas surpresas maiores podem estar para acontecer num futuro próximo”, ensinou o físico Mário Schenberg, um dos mais brilhantes cientistas que o Brasil já teve.

Ainda não temos idéia de como funciona nossa percepção do tempo. Parte das ilusões tem raízes na psicologia, na linguística, na cultura e no funcionamento do cérebro. No futuro, podemos imaginar uma forma de detectar o processo cerebral responsável pela impressão da passagem das horas e criar drogas para suspender a sensação de que elas voam, deixando à mostra a finitude humana.

Alguns praticantes de meditação afirmam ser capazes de atingir esse estado mental. Uma de suas premissas é considerar só o hoje e o agora. Sem stress nem ansiedade, como se o passado e o futuro fossem a mesma coisa: o momento presente. Se fôssemos capazes de destrinchar os mecanismos do tempo, talvez deixássemos de nos inquietar com o futuro ou de sofrer com o passado. Preocupações com a morte, as expectativas frustradas e a nostalgia do passado que não volta sumiriam. Quem sabe assim o sentido de urgência que nos acompanha poderia se evaporar, sem nos roubar a sensação de permanência.