Alexandre Luiz Diogo, 14 anos, e Ernani Leite José, 15, eram dois meninos de rua que dormiam em marquises e calçadas do centro do Rio de Janeiro, até 1994. Naquele ano, os dois foram adotados por um casal de French Camp, a 300 quilômetros de San Francisco, na Califórnia (EUA), sensibilizados com o que viram no noticiário da televisão americana sobre a chacina da Candelária, ocorrida um ano antes. Os dois meninos apareceram no Fantástico, programa da Rede Globo, e foram festejados como se tivessem ganho na loteria. Suas vidas teriam uma profunda transformação. Alexandre passou a chamar-se Alex Bracy e Ernani, Robert Bracy. Hoje, Alexandre está desaparecido e Ernani trancafiado no presídio Edgar Gomes, em Niterói. Os dois viram ruir seus sonhos ao serem devolvidos ao Brasil como se fossem mercadorias com defeito de fabricação. Voltaram a perambular pelas ruas. A vida no “paraíso” não deu certo. Alex, acusado de prática de assédio sexual, foi mandado de volta dois anos depois. A família deu a ele a dura opção de escolher entre a cadeia e as ruas do Brasil. Robert, com problemas emocionais, diz nunca ter entendido o motivo de sua devolução.

Histórias como a de Robert e Alex, que mantêm hoje seus nomes americanos, se repetem porque os Estados Unidos adotam crianças brasileiras – e de outras partes do mundo –, mas negam a elas a cidadania. Se a família simplesmente não gostar do novo filho, ele pode ser devolvido. Se o jovem cometer na adolescência algum delito vai parar nos reformatórios de delinquentes juvenis e, daí, para a cadeia. Cumprida a sentença, são deportados para o país de origem. Uma lei americana determina que os estrangeiros acusados de qualquer crime sejam mandados embora, ao saírem da cadeia. O risco da deportação aos adotados existe porque os Estados Unidos são um dos únicos países do mundo que não ratificaram a Convenção Internacional de Haia, de 1993, segundo a qual a criança adotada adquire automaticamente a cidadania do país para onde foi levada. Lá, o filho adotivo se torna apenas um residente permanente no País. O pedido de obtenção de cidadania fica a critério das famílias, que nem sempre tomam tal atitude. A insensibilidade e o pragmatismo dos americanos voltaram a ser tema de discussão após a deportação, na quinta-feira 16, de mais um jovem brasileiro, João Herbert, 22 anos, levado do seu país quando tinha apenas sete. Acabou deportado por tentar vender maconha a um policial. Ele não fala português e não tem nenhum vínculo familiar no Brasil. Pelo menos seis brasileiros já passaram pela mesma situação. ISTOÉ relatou o drama de outros três rejeitados na reportagem Os sem-pátria, na edição de 19 de maio de 1999. Reginaldo da Silva, 22 anos e adotado no Recife quando tinha 12, foi despachado de Michigan (EUA) para o aeroporto de Guararapes, no Recife, onde ficou três dias dormindo em poltronas e depois desapareceu. A ação foi considerada ilegal por autoridades brasileiras. Com crise de identidade, J.C.O., 21 anos, foi devolvido de Oregon, também nos EUA, e levado para uma entidade assistencial. Tenta reconstruir sua vida. O terceiro caso continua sem solução. Condenado por furto e envolvimento com drogas, Djavan Soares da Silva, hoje com 24 anos, vive confinado há seis na prisão de Walpole, em Massachusetts. Sua deportação já foi decidida, mas o governo brasileiro se recusa a legitimar o ato e ninguém sabe até quando o jovem ficará na cadeia.

Colaborou Silvia Barandier (San Francisco) 

A saga de Herbert
Hélcio Nagamine
“Na verdade, não é extradição. Estão me exilando para sempre”

João Herbert, o brasileiro deportado dos Estados Unidos, poderia ter melhor sorte caso decidisse aguardar uma nova apreciação do Congresso americano – na próxima legislatura – da situação dos estrangeiros adotados no País. Os americanos já teriam decidido ratificar a Convenção de Haia, mas a medida não foi homologada. Como havia um impasse entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, Herbert se adiantou e tomou a decisão de pedir a liberação de seus documentos às autoridades brasileiras, a fim de se ver livre das grades. “Na verdade, não é extradição: estão me exilando para sempre”, lamentou Herbert, ainda na cadeia, ao jornal Folha de S. Paulo. “Estão cometendo um crime contra a dignidade humana. Essa é uma atitude racista e autoritária”, protestou o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Menor de São Paulo. Herbert chegou ao Brasil na noite da quinta-feira 16, vindo de Miami. Cansado, visivelmente nervoso, deu um depoimento em inglês de 40 minutos na Polícia Federal, disse ter recebido “toda a ajuda” da família americana e agradeceu o apoio. “Eu sou brasileiro”, garantiu. Seu novo lar será a Casa Arsenal da Esperança, uma instituição criada por missionários católicos que atende diariamente mais de mil pessoas em dificuldades, além de refugiados. Herbert viveu até os sete anos, num orfanato em São Paulo. Em 1987, foi adotado por um casal de Ohio, que lhe deu um lar e sobrenome. Nos Estados Unidos, esqueceu-se do orfanato, da favela onde passou parte da vida e até da língua materna. Em 1997, dois dias depois de formar-se no ensino médio, viu seu sonho se transformar em pesadelo ao ser preso vendendo maconha a um policial disfarçado. Cometeu um delito, só que o preço a pagar, no seu caso, foi muito alto. Ficou 28 meses numa cadeia de segurança média em Cleveland, embora a Justiça o tenha condenado à prisão domiciliar. Especialistas dizem que os jovens adotados e devolvidos têm direito à indenização por danos morais.
Greice Rodrigues e Osmar Freitas Jr. (Nova York)