Com espaço consagrado nos palcos brasileiros e trajetória marcada pela inspiração em temas sociais, o Ballet Stagium tem uma faceta pouco conhecida pelo grande público. É o trabalho de corpo a corpo que faz com quase 500 adolescentes da Febem, a Fundação do Bem-Estar do Menor, em São Paulo. Um dos objetivos dessas singulares aulas de dança, dadas por 11 professores, é ajudar no processo de reeducação dos garotos que se encontram na Febem. “O trabalho funciona como uma espécie de resgate da auto-estima desses adolescentes”, diz Márika Gidali, diretora da companhia. Por causa da atuação extrapalco, o Stagium está entre os finalistas do Prêmio Sócio-Educando, destinado a destacar experiências bem-sucedidas na recuperação de adolescentes infratores.

Num país sobressaltado pelo problema da delinquência juvenil, 105 projetos das mais diferentes regiões concorrem às dez categorias do prêmio, que será entregue no próximo dia 27, na sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. O trabalho do Ballet Stagium, de sensibilização através da dança, está inscrito na categoria Programas e Ações. Nessa segunda edição do prêmio, há categorias que privilegiam trabalhos individuais, como o projeto Justiça Dinâmica, desenvolvido pelo juiz Mauro Campello em Boa Vista (RR), que visa agilizar os julgamentos, e a pesquisa Perdeu, Passa Tudo, desenvolvida pela mestranda em Educação Vânia Fernandes e Silva, em Juiz de Fora (MG).

Estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Vânia concluiu em seu levantamento que os adolescentes encaravam o sistema que os abrigava como carcerário e não como sócio-educativo. Nas instituições de internação pesquisadas pela estudante, os adolescentes não recebem escolarização oficial nem participam de nenhuma atividade especialmente planejada que possa ajudá-los na volta à comunidade. Essa é uma incoerência comum a instituições do gênero. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma medida de restrição de liberdade pode ser decretada por, no máximo, três anos. Durante esse período, a reintegração social do adolescente deveria ser a prioridade da instituição, mas muitas delas acabam funcionando como depósitos de infratores.

No pólo oposto, uma das principais referências em reeducação juvenil no País é o Centro Sócio-Educativo Homero de Souza Cruz Filho (CSE), de Boa Vista, Roraima. O CSE se distingue até por sua arquitetura, pois os adolescentes ficam abrigados em casas, cujas regras variam de uma para outra, embora estejam todas no mesmo complexo. A meta dos adolescentes é viver na casa com normas mais flexíveis, o que acaba funcionando como estímulo no cotidiano. Além disso, eles têm atividades fora da instituição, como frequentar a escola do bairro.

Um programa vinculado ao CSE, o Cidadania Ativa, está entre os finalistas do Prêmio Sócio-Educando. Há mais de dois anos em atividade, o programa consiste no acompanhamento do adolescente e de sua família após o término do período de internação. Embora conte com o apoio de uma equipe multidisciplinar, o adolescente é acompanhado diretamente por um orientador que é sempre um voluntário de sua própria comunidade. “Esse voluntário se transforma em uma espécie de anjo da guarda do adolescente e garante o cumprimento das metas estabelecidas para a reintegração”, conta Lúcia Guimarães dos Santos, coordenadora do Cidadania Ativa. Em outra frente, o projeto também tem aspectos preventivos. “Trabalhamos o fortalecimento dessa família, para que os outros adolescentes não venham a cometer nenhum ato infracional”, explica Lúcia.

Voluntários – O programa de acompanhamento ao adolescente que já cumpriu seu período de internação tem um baixíssimo índice de reincidência – três em 25 casos – e concorre na categoria Governos de Estado. Em termos de administração municipal, um dos destaques é um trabalho desenvolvido pela prefeitura de Blumenau (SC) desde 1998, que também conta com a participação de voluntários. O prêmio contempla ainda as categorias Defensor, Promotor, Núcleo de Apoio ao Judiciário, Organização não-governamental e Instituição de Ensino Superior. Devido à importância de seu trabalho, o procurador de Justiça Afonso Armando Konzen receberá uma homenagem especial (leia quadro).

“As experiências inscritas no prêmio mostram que o Estatuto da Criança e do Adolescente, quando bem aplicado, funciona de fato”, diz Geraldinho Vieira, diretor executivo da Agência de Notícias do Direito da Infância (Andi), uma das patrocinadoras da iniciativa. O Prêmio Sócio-Educando tem também o apoio de duas organizações internacionais ligadas às Nações Unidas – o Unicef e o Ilanud –, de um organismo governamental – o BNDES –, e de uma fundação empresarial – a Fundação Educar DPaschoal.

“Há muito por melhorar”


Um dos idealizadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, o procurador Afonso Armando Konzen, do Ministério Público de Porto Alegre (RS), receberá o prêmio Destaque Especial pela abrangência de sua atuação.

André Dusek

ISTOÉ – O Brasil sabe cuidar de suas crianças e adolescentes?
Afonso Armando Konzen – Ele precisa se esforçar mais. Há avanços, em especial na área de educação, mas ainda tem muito por melhorar.

ISTOÉ – O que mudou depois que o Estatuto da Criança e do Adolescente entrou em vigor, há dez anos?
Konzen – Houve uma mudança doutrinária. A criança passou a ser reconhecida e tratada como sujeito de direitos. O sistema de atendimento também foi alterado. Hoje é descentralizado e aberto à participação da sociedade.

ISTOÉ – O sr. é a favor da redução da maioridade penal para 16 anos?
Konzen – Sou absolutamente contrário. Delinquência juvenil não se resolve pela criminalização da conduta e sim com política de prevenção e o cumprimento do modelo sócio-educativo introduzido pelo estatuto. Temos medidas suficientes para responsabilizar o adolescente infrator. Basta cumpri-las. Além disso, não adianta jogar esses jovens num sistema penitenciário falido, que não atende nem aos adultos.

ISTOÉ – A Febem cumpre com o seu papel de reeducar o adolescente infrator?
Konzen – As estruturas existentes em alguns Estados são absolutamente precárias. O caso de São Paulo é típico desse despreparo.