Se a intenção do escritor Manoel Carlos, autor na novela das oito da Globo, Laços de família, era fazer os telespectadores refletirem sobre as intrincadas relações entre parentes, a situação agora está mais para plantão policial. De uma tacada só, a Igreja, o Ministério da Justiça e a Vara da Infância e da Juventude do Rio resolveram orquestrar uma campanha pelo fim do atentado à moral e aos bons costumes no horário nobre. Cenas de sexo, conflitos familiares e brigas na frente de menores devem ser exterminadas.

Laços de família está sendo alvo da mesma campanha pela ética na tevê que vitimou a Banheira do Gugu, e também o Programa do Ratinho, no qual uma criança de três anos era torturada pelo padrasto. Em setembro, o Ministério Público do Estado do Rio enviou para a 1ª Vara da Infância e da Juventude uma ação contra a Rede Globo, sob a alegação de que Laços de família era inadequada para menores de 14 anos e por isso só poderia ser exibida depois das 21h. O juiz-titular Siro Darlan estabeleceu multa diária de R$ 70 mil caso fossem mostradas imagens de violência e proibiu a participação de menores na trama.

A Globo teve de refazer capítulos às pressas, como o que continha a cena do casamento entre Edu (Reynaldo Gianecchini) e Camila (Carolina Dieckmann). A emissora estava proibida de exibir a participação das 11 crianças “convidadas” sob pena de ter a novela tirada do ar ou ver presos o diretor Ricardo Waddington e o produtor Ruy Mattos. Na emissora, a ameaça foi entendida como censura. “Começa assim e termina em fogueira de livro em praça pública”, esbravejou o autor. Ele teve de reescrever cenas para tirar do ar personagens como Estela, irmã de Edu, interpretada pela própria filha, Júlia de Almeida, 17 anos. Na outra ponta, pais, psicólogos e educadores reconhecem que a panacéia judicial é fruto da falta de consenso entre o que deve ou não ser exibido pela tevê. “Falta a sociedade cobrar limites das emissoras. Como ninguém toma uma providência, cabe ao juiz e à Igreja dominar a situação”, diz a socióloga Débora Maciel, da PUC de São Paulo.

Telespectadores, principalmente os pais, ficam sem saber se os filhos podem ser influenciados pela banalização das cenas de sexo e violência na tevê. A psicóloga Andréa Giovannetti, da Universidade de São Paulo, acredita que é preciso tomar cuidado com os pequenos. “Uma cena em que um casal briga na frente da filha pode causar sofrimento àquelas que têm problemas familiares. Já o adulto sabe que o que está passando ali é ficção”, explica. Capítulos futuros já estão escritos: mais duas novelas são alvo de ações cíveis do Ministério Público e terão que ser revistas: Uga Uga, “com cenas de grande tensão, violência e seminudez”, e A próxima vítima, feita para o horário noturno e, atualmente, reprisada às 14h25, com imagens de assassinatos em série. Nos bastidores, também o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) deu um puxão de orelhas na novela. O diretor Délio Cardoso enviou carta à direção da emissora reclamando do capítulo do dia 2 deste mês, no qual Íris (Deborah Secco) dá fechadas e obstrui o trânsito. O difícil vai ser explicar ao telespectador por que uma novela chamada Laços de família só pode ter pais sem filhos e casais sem conflitos psicológicos.