Cada vez que Aleijadinho terminava de esculpir uma de suas magníficas peças barrocas, a única comprovação oficial de sua autoria eram os recibos escritos de próprio punho. Um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos, jamais assinou um trabalho. Até hoje só são reconhecidas como suas cerca de 160 peças, de uma obra que deve ter somado algo como duas mil imagens, considerando-se que o artista morreu aos 76 anos e produziu até o fim da vida. Para provocar no público a sensação de expertise, o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio de Janeiro, ocupou uma enorme parede com os estilemas – traços formais característicos da obra do artista – na mostra Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho que vemos e o que sabemos, em cartaz até 21 de janeiro. Cada visitante votará na peça que considerar mais bela e mais autêntica. Na exposição, 28 das 36 imagens são atribuídas ao mestre mineiro, duas são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e oito estão em processo de atribuição. O dono desse valioso acervo, com peças cotadas entre U$ 500 mil e U$ 3 milhões, é o engenheiro paulista do mercado financeiro Renato Whitaker, 59 anos.

Chega a ser difícil acreditar que um homem com o corpo em decomposição, vítima de uma doença incurável e progressiva, que só conseguia trabalhar com os escravos amarrando os instrumentos no que lhe restava dos braços, tenha conseguido produzir imagens tão sublimes. Entre as que mais impressionam estão a de Nossa Senhora do Rosário, já tombada pelo Iphan, e a placidez do sofrimento de Nossa Senhora das Dores em madeira, de origem ainda não oficializada. De origem igualmente incerta é o Jesus da Paciência, que está na capa do catálogo que acompanha a exposição. A obra é fiel a vários dos estilemas registrados na parede do museu, como o nariz afilado, a barba bem delineada, encaracolada e bipartida no queixo, a boca entreaberta com os pequeninos dentes à mostra e o umbigo saltado para fora.

Outro detalhe que foge aos olhos até dos maiores conhecedores é que muitas das obras de origem comprovada, como os Profetas de Congonhas do Campo, foram só parcialmente executadas por Aleijadinho, que contou com a ajuda de seus auxiliares. “Nada garante que a encomenda não possa ter sido executada, total ou parcialmente, por um discípulo ou colaborador”, observa Renato Whitaker, que começou a reunir obras barrocas de diversos autores na década de 70. Ele chegou a juntar mais de mil peças. Em 1978, visitou uma exposição só de obras de Aleijadinho no Museu de Arte Moderna do Rio, com curadoria de Lúcio Costa, e constatou que, além das peças em igrejas, havia imagens de coleções particulares atribuídas ao mestre mineiro. Aos poucos foi adquirindo obras do escultor. “Hoje sou o único no mundo a colecionar Aleijadinho, conheço pessoas que têm no máximo três peças do mestre”, ufana-se.