Por essa, nem os hippies esperavam. Modismo dos anos 70, a comida naturalista e livre de agrotóxicos é hoje o segmento do mercado de alimentos que mais cresce no mundo. Este ano, a comercialização de produtos orgânicos (cultivados sem fertilizantes ou defensivos químicos) promete movimentar cerca de US$ 20 bilhões nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. No Brasil, onde o faturamento deve chegar a US$ 200 milhões, o consumo aumentou 50% em relação ao ano anterior. Na esteira dessa popularidade, os canais de venda se ampliam e multiplica-se a variedade de alimentos do gênero.

Marizilda Cruppe/Agência O Globo


Palmeira, Steinberg e Celina vendem para supermercados e restaurantes

Na cesta de produtos orgânicos estão hortaliças, vinhos, queijos, molhos, mel, farinha, biscoitos, carne de frango e hambúrgueres, entre outras opções. Esses alimentos podem ser comprados em feiras especiais em cidades como Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Também já estão conquistando espaço nas grandes redes de supermercados. De olho nesse filão, algumas lojas do Pão de Açúcar e Extra em São Paulo já oferecem cerca de 120 produtos, como berinjela, tomate e laranja. No Rio, a fazendeira Celina Vargas Peixoto aposta nessa diversificação. Ela trocou o cultivo de plantas medicinais pela lavoura de mais de 40 tipos de minilegumes e de ervas aromáticas sem agrotóxicos. Sua produção é vendida para restaurantes chiques. “A médio prazo, também quero fazer entregas em domicílio”, planeja. A expansão desse mercado mobiliza novos produtores, como o ator Marcos Palmeira, dono da fazenda orgânica Vale das Palmeiras, em Teresópolis (RJ). “Só trabalhamos com adubo natural. Não há nada tóxico. Até os animais são tratados com homeopatia”, conta. Na semana passada, ele comemorou um contrato recém-fechado para suprir a rede carioca de supermercados Zona Sul.

O interesse por esses produtos avança de braço dado com a onda mundial de qualidade de vida. Nove entre dez adeptos dos orgânicos estão preocupados com a saúde. “A preferência aumenta por causa da grande quantidade de informações associando dieta e saúde”, afirma o produtor Jefferson Steinberg, do Sítio Terra e Saúde. Ele entrega em domicílio cerca de 100 cestas por semana. A maioria do seu público é composta de pessoas com idade entre 30 e 50 anos, com grau universitário e que não se queixam de pagar entre 30% e 50% a mais por hortaliças ou geléias processadas sem conservantes. É o caso do arquiteto Paulo Milani, que há dez anos faz compras numa feira orgânica de São Paulo. “A cenoura é mais saborosa, a beterraba mais doce. E eu sei o que estou comendo”, diz.

A alternativa orgânica não é privilégio da elite. Durante algum tempo, a nutricionista Adriana Bassoul, da rede Mundo Verde, no Rio, imaginou que a grande procura por esses produtos estivesse ligada ao poder aquisitivo e ao acesso à informação. Sua tese desabou quando ela começou a participar de feiras num subúrbio carioca. “Os moradores de lá compram tanto quanto o pessoal da zona sul. A preocupação é a mesma: mais saúde.

Eles sabem que estão botando no corpo algo que não tem veneno”, afirma.

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A ausência de agrotóxicos é o argumento que mais seduz os brasileiros. Diversos nutricionistas afirmam que a aplicação controlada de fertilizantes e defensivos agrícolas não causa danos à saúde. “Mas o uso indevido de agrotóxicos ou de outros produtos químicos pode causar efeitos crônicos a longo prazo, como determinados tipos de câncer, diminuição da fertilidade e até a má formação de fetos”, explica Sérgio Graff, chefe do centro de controle de intoxicações do Hospital Jabaquara, em São Paulo. De qualquer forma, o uso de agrotóxicos no Brasil inspira cuidados, como se pode perceber pelos resultados das análises semanais feitas pelo Instituto Biológico de São Paulo para medir a quantidade de defensivos agrícolas em vegetais. Essa amostragem é uma espécie de vitrine do que a população põe no prato. “Os recordistas em resíduos são o morango e o tomate”, revela o biólogo Amir Gebara. Outro problema detectado: a aplicação de pesticida em culturas para as quais o produto não foi autorizado. Essa situação rendeu a inclusão do Brasil num relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) entre os países nos quais há exagero no uso de agrotóxicos. E serve para reforçar as recomendações do biólogo Gebara. “Lavar as folhas em água corrente e usar uma escovinha nos legumes remove a maior parte dos resíduos químicos”, explica.

Os orgânicos também estão na mira dos cientistas. Além de serem mais charmosos, esses alimentos apresentam vantagens nutricionais. Pesquisa recente da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), conduzida pelo agrônomo Francisco Luiz Câmara, revelou maiores teores de vitamina A e betacaroteno em cenouras cultivadas sem fertilizantes ou pesticidas. “Além disso, a cenoura orgânica se manteve em boas condições por sete dias, enquanto a convencional durou apenas 4,3 dias”, comenta Câmara. Outros trabalhos estão em curso para avaliar os benefícios dessa alimentação. Os adeptos dos orgânicos garantem, por exemplo, que a carne de frango ou de gado criado sem confinamento (o chamado boi verde) e sem uso de ração é melhor. Um estudo da Universidade de São Paulo apontou que os ovos de galinhas criadas livremente têm quatro vezes mais vitamina A. Diante de todos os argumentos em favor dos orgânicos, o velho rótulo natureba, que durante anos carregou um ar pejorativo, está virando elogio.

Garantia Indispensável

A olho nu, é muito difícil apontar diferenças entre o pepino orgânico e o convencional. Tamanho, por exemplo, não é documento. Dependendo das técnicas de cultivo, os legumes e frutas podem ser iguais na aparência. A solução para diferenciar os orgânicos na feira ou nos mercados foi a adoção de um selo de qualidade emitido por certificadoras reconhecidas pelo Ministério da Agricultura. São entidades como a Associação de Agricultura Orgânica (AAO), o Instituto Biodinâmico (IBD), a Fundação Mokiti Okada e a Associação dos Agricultores Biológicos do Rio de Janeiro (Abio). Ao todo, existem cerca de 30 associações desse tipo no Brasil. Elas avaliam se a produção do alimento segue os critérios estabelecidos pela agricultura orgânica, como conservação de mananciais, manejo adequado de animais e ausência de mão-de-obra infantil, entre outros. A presença do selo garante, portanto, a procedência e a qualidade desses produtos.

 


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