Chegou, enfim, ao Peru a tão esperada transição democrática. O presidente Alberto Fujimori, 62 anos, anunciou sua renúncia em mais um capítulo controverso desde que aplicou o autogolpe em 1992. Do Japão, Fujimori enviou no domingo 19 uma carta dizendo que estava saindo “depois de avaliar a nova correlação de forças no Congresso”. Em uma década no poder, o imperador dos Andes dissolveu o Congresso, suspendeu artigos da Constituição, reprimiu a imprensa, instaurando um regime de opressão conhecido como fujimorista. El Chino – como é conhecido por ser filho de imigrantes japoneses – afirmou que irá permanecer no Japão por tempo indeterminado. A carta foi endereçada ao então presidente do Congresso, o advogado constitucionalista Valentín Paniagua, que assumiu a Presidência depois das renúncias dos dois vice-presidentes, Francisco Tudela e Ricardo Márquez. Paniagua, do partido Ação Popular, tem a difícil missão de fazer a transição em oito meses para garantir eleições limpas no dia 8 de abril de 2001. O eleito deverá assumir em 28 de julho.

“Anunciamos que a realização das eleições será nossa tarefa central, garantindo que nenhum órgão público terá de interferir”, disse o novo presidente Paniagua. Os peruanos estão cansados de surpresas desagradáveis como a saída inesperada de Fujimori, considerada pela maioria da população como uma “fuga” e “um ato de covardia”. O desprestígio foi tal que os congressistas peruanos decidiram que antes de aceitar a renúncia de Fujimori votariam por sua destituição. Na terça-feira 21, após 14 horas de intensos bate-bocas, o Congresso aprovou por 64 votos a favor, nove contra e duas abstenções a demissão de Fujimori por “incapacidade moral”, impedindo que ele assuma qualquer cargo público no Peru. Os parlamentares de oposição irritaram-se com o fato de ele ter renunciado no Exterior. O presidente descendente de japoneses temia enfrentar as acusações de corrupção que levaram seu país para o atoleiro.

AFP
Alberto Fujimori anuncia saída do poder no Japão onde pretende morar

O anúncio aconteceu 65 dias depois da divulgação de um vídeo no qual Vladimiro Montesinos, seu braço direito e ex-chefe do Serviço de Inteligência peruano, aparece entregando US$ 15 mil ao deputado Alberto Khouri em troca de apoio ao governo. Segundo o analista Carlos Tápias, os peruanos esperavam que o presidente destituído fosse enfrentar a pior crise do país. “Acreditava-se que Fujimori fosse contestar as denúncias”, disse Tápias.

Há rumores de que Montesinos, o pivô da crise, esteja escondido no Paraguai. Alejandro Toledo, candidato de oposição pelo Partido Peru Possível, afirmou que o ex-chefe do Serviço Secreto pode estar morto. O analista Tápias não descarta essa possibilidade e diz que “a CIA está disposta a encontrar Montesinos e poderá até matá-lo, porque ele sabe demais”. A suposta “sabedoria” de Montesinos relaciona-se às denúncias de envolvimento com o narcotráfico, o contrabando de armas e assassinatos. Montesinos foi colaborador da CIA no combate ao tráfico de drogas no Peru. Há meses desaparecido, a oposição vem exigindo seu julgamento. Ele ainda é acusado de acumular US$ 48 milhões de lavagem de dinheiro em bancos suíços e ter sociedades em Singapura com Fujimori. Misteriosamente, o presidente demissonário fez escala em Singapura antes de ir ao Japão. Na sexta-feira 24, a Procuradoria Suprema da Nação acusou Fujimori de enriquecimento ilícito em cumplicidade com o seu ex-assessor Montesinos. Fujimori teria recebido US$ 18 milhões numa conta em seu nome em um banco japonês.

No rebuliço dos bastidores políticos, Paniagua parece ter surgido para começar a limpar as águas sujas. Prova disso foi a nomeação em seu primeiro dia de mandato do ex-secretário geral das Nações Unidas, Javier Pérez de Cuellar, para o cargo de primeiro-ministro. Cuellar, derrotado por Fujimori nas eleições de 1995, chega ao governo de transição como um bálsamo. Na posse, Paniagua disse que tentará evitar “o colapso econômico”.

Enquanto isso, do outro lado do oceano, Fujimori continua arrumando confusões. O jornal peruano Liberación publicou um documento que prova a nacionalidade japonesa do presidente demissionário, mas Fujimori a negou duas vezes. Até a sua ex-exposa Susana Taguchi declarou-se surpresa com as duas cidadanias de El Chino. Porém, antes de o galo cantar, as autoridades japonesas confirmaram que, se Fujimori desejar, ele poderá ficar no país. Ele deve ser extraditado porque seus pais nasceram no Japão e por isso ele tem direito de ficar. E, afinal de contas, o Japão tem a tradição de reverenciar os imperadores.