Cena 1- Mal recebeu a denúncia anônima de que três homens armados estavam prestes a assaltar uma agência do Banespa na praça Carlos Gomes, em São Paulo, a Polícia Civil mandou um helicóptero e viaturas para a região. A placa do Santana que “daria fuga aos assaltantes” era repetida por rádio. Na sede da Interpol, policiais federais ligados na frequência da Polícia Civil identificaram o carro e tiveram de agir rápido para impedir um desfecho desastroso. Os “assaltantes” eram três federais encarregados de vigiar a distância um dos genros do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, o advogado Francisco Antonio Azevedo, que participava de uma reunião nas imediações.

Cena 2 – O advogado Azevedo deixa o escritório do defensor de Nicolau, Alberto Zacharias Toron, e começa a ser seguido ostensivamente por dois motociclistas. Pelo celular aciona uma delegacia, argumentando estar na mira de sequestradores. Abordados por policiais civis, os motociclistas se identificam como federais cumprindo ordem de serviço. No boletim de ocorrência, fizeram questão de registrar que têm como missão “dar proteção às três filhas do juiz Nicolau, a Azevedo e à amante do advogado, que mora na cidade de Espírito Santo do Pinhal, no interior paulista”. Azevedo, por sua vez, registrou que a mulher citada pelos federais é apenas cliente de seu escritório.

A Polícia Federal ainda não conseguiu colocar suas garras no juiz Nicolau, mas a busca já custou quase R$ 1,5 milhão e rendeu muitas histórias, algumas até pitorescas, como se pode notar pelos episódios descritos acima. Ocorridas com intervalo de apenas duas horas entre elas, na segunda-feira 20, as duas cenas também refletem o crescente grau de tensão existente nos bastidores da procura do juiz Nicolau, acusado de desviar R$ 169 milhões da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo. Foragido há sete meses, Nicolau está acompanhado de sua mulher, Maria da Glória, cuja descrição e fotografia também foram distribuídas pela Interpol para suas representações em todo o mundo. No caso de Maria da Glória acontece o que a polícia internacional chama de “difusão azul” – um simples pedido de localização e monitoramento. O juiz Nicolau entra na categoria “difusão vermelha”, para que seja preso.

Com Nicolau sumiu sua mulher, Maria da Glória

A possibilidade de rendição de Nicolau jamais foi tão negociada quanto nos últimos dias, inclusive pelo ministro da Justiça, José Gregori. Na dúvida se vai conseguir prendê-lo antes da rendição, a equipe da Polícia Federal encarregada de encontrar o juiz resolveu aumentar a pressão sobre a família. Como acredita que o advogado Francisco seja um dos principais canais de contato com Nicolau, ele é alvo preferencial da vigilância. Pelas investigações, Francisco atuou como intermediário na operação fracassada de venda do apartamento do juiz em Miami, avaliado em US$ 1,1 milhão. “Não estamos agindo no limite da lei, mas bem antes dele”, garantiu ao ministro Gregori um dos delegados que comandam a equipe de buscas, composta por 60 homens. Toron, o defensor de Nicolau, discorda. “A prática da polícia é abusiva e terá respostas igualmente agressivas”, diz.

Embora acompanhem a movimentação da família, os policiais têm se mostrado cautelosos nas abordagens. Foi assim quando a Federal Express, uma empresa de encomendas internacionais, tentou entregar uma correspondência do Banco Santander das Bahamas na mansão de Nicolau, em São Paulo. A carta foi devolvida pela filha do juiz, que se encontrava na casa, mas os policiais não a interceptaram. Foram buscá-la na sede da empresa, com respaldo judicial. Mesmo assim, não tiveram acesso ao conteúdo. Na quarta-feira 22, o juiz federal Casem Mazloum negou o pedido de abertura da carta, argumentando que a violação de correspondência é inconstitucional.

Desde que o juiz Nicolau começou a ser procurado, a Polícia Federal recebeu mais de mil denúncias sobre sua localização. “Teve dia que fomos informados de que ele estava em quatro lugares diferentes ao mesmo tempo”, conta um dos policiais. Eles acreditam que isso ocorre pelo fato de o juiz ter um biotipo comum, fácil de ser confundido. Em agosto, a mulher de um diplomata brasileiro garantiu tê-lo visto em uma loja da concorrida praça Duomo, em Milão. Na ocasião, dois agentes da PF que já estavam na Itália checando outras informações conferiram a denúncia, mas descartaram a possibilidade. Esses agentes também foram ao Uruguai, Argentina e Suíça. No encalço do juiz Nicolau, a polícia tem investido recursos públicos nesses últimos sete meses, mas o magistrado também deve estar desembolsando uma fábula para manter-se escondido. Há cerca de um mês, os homens da PF e da Interpol descobriram, inclusive, que estavam sendo seguidos por arapongas. Era a caça querendo ter seu dia de caçador.  

 

Eles também deram trabalho
Alguns foragidos ganharam fama pela habilidade
em driblar seus perseguidores
Foto: Monica Zarattini/AE

Naji Nahas
Acusado de provocar um estouro nas bolsas de valores, o empresário deixou a polícia em seu encalço por 102 dias, sendo localizado em outubro de 1989, num apartamento dos Jardins, em São Paulo.

Foto: Prensa Três

PC Farias
Depois de 156 dias de fuga, o ex-caixa de campanha do presidente Fernando Collor deu volta ao mundo, mas foi reconhecido e preso em um hotel, em Bangcoc, na Tailândia, em novembro de 1993.

Foto: Regis Filho

Jorgina de Freitas
Procurada durante cinco anos por desviar US$ 112 milhões do INSS, a advogada foi presa pela polícia da Costa Rica, quando se dirigia ao fórum de San Jose para se entregar, em novembro de 1997.

Foto: Prensa Três

Carlos, o Chacal
Illich Ramirez Sánchez, o terrorista mais procurado do mundo, enganou os serviços secretos de vários países por 20 anos, mas acabou preso em um hotel em Cartum, no Quênia, em agosto de 1994.