Intensa no jeito passional de interpretar e de imprimir sentimento até às letras mais bobas da bossa nova, Maysa tinha todos os requisitos para também ter sido uma blueswoman. A constatação fica ainda mais evidente diante do tratamento hardblues que a cantora mato-grossense Alzira Espíndola deu ao clássico Meu mundo caiu – assinado e originalmente interpretado por Maysa –, que ressalta entre as músicas mais tristes já produzidas no Brasil. Alzira, junto com o músico e produtor Luiz Waack, ressuscitou a canção, dando-lhe um arranjo e um arroubo de interpretação cortantes. Meu mundo caiu faz parte do álbum Ninguém pode calar, inteiramente dedicado à cantora de melancólicos olhos verdes. Ela também está sendo homenageada na caixa Simplesmente Maysa, com dois CDs duplos trazendo 60 músicas em suas versões originais e ao vivo, quando a intérprete das tristezas da alma lotava casas noturnas de São Paulo e Rio de Janeiro, até morrer tragicamente, aos 40 anos, em janeiro de 1977.

De dama da sociedade paulistana – foi casada com André Matarazzo –, Maysa disparou para o estrelato não apenas pela maneira sensível e particular com que interpretava standards da música americana, mas principalmente por exibir composições sofisticadas, de letras dilacerantes, que contrastavam com a impostação dos vozeirões dos cantores e cantoras em moda no final dos anos 50. Maysa ainda impressionava com sua presença bela e um par de olhos que levou o compositor Antônio Maria a chamá-los de “duas colheres do mar”. Suas paixões frustradas foram transformadas em canções eternas, até hoje ouvidas com enorme prazer, como prova a caixa lançada pela Som Livre. Mas também instigam talentos contemporâneos, a exemplo de Alzira Espíndola, que soube como ninguém apurar as mais intensas sensações da Maysa intérprete e compositora. Alzira e Waack, acredita-se, tiveram uma tarefa dificílima para selecionar as melhores músicas do repertório de Maysa. Chegaram a 12 e destacaram belezas, entre elas Bom dia tristeza, Adeus ou Tarde triste. Todas emolduradas pela delicadeza de violões, violas, violoncelos e percussão sutil e passionalmente interpretadas ao sabor do novo milênio.


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