Na favela Beira-Mar, quase não se ouve falar em Fernandinho Beira-Mar. Na sua terra natal, em Duque de Caxias – Baixada Fluminense –, o traficante é tratado apenas como Fernando ou Patrão. Como outros tantos que ascendem na hierarquia da bandidagem, Luiz Fernando da Costa nasceu em um casebre paupérrimo e foi criado com os recursos que a mãe, dona Zelina, angariava trabalhando como faxineira e cozinheira nos motéis da rodovia Washington Luís. A semelhança de trajetória com os líderes do tráfico no Brasil termina aí. Quando menino, Beira-Mar nunca trabalhou para o tráfico, nem foi olheiro ou avião de ninguém. “Ele ia para a escola, gostava de ler e ensinava a lição para os garotos da favela”, lembra Luiz Carlos de Oliveira, companheiro de infância do traficante. Beira-Mar só entrou no comércio de drogas aos 22 anos, quando assumiu o comando do tráfico na favela, que abriga hoje 1.300 famílias.

Dona Sueli, a madrinha de batismo de Beira-Mar, não gosta de comentar sobre o afilhado. “A mãe dele morreu atropelada há 12 anos. Estava desgostosa com o filho e não chegou a ver nem o começo dessa história violenta. Ainda bem que ela não está mais aqui”, afirma. Dona Sueli saiu da favela por medo da violência que cresceu na mesma proporção da fama de seu afilhado. “A gente sofria porque a polícia invadia os barracos a qualquer hora da noite ou do dia”, recorda-se. “Sempre iam embora depois de acertar com o Fernando.”

Carlos Magno
A favela onde nasceu Fernandinho Beira-Mar…

Até os 18 anos, Beira-Mar foi bem-comportado. As vizinhas recordam-se de que ele gostava de cozinhar. A história do bom menino termina quando Luiz Fernando da Costa ingressa no Exército. “Uma noite, a favela foi invadida por policiais e todos ficamos surpresos quando eles prenderam o menino da dona Zelina”, lembra Júlia Gonçalves, a vizinha que ajudou a criar o garoto. Beira-Mar havia participado de um assalto em uma joalheria de Petrópolis e o produto do roubo estava enterrado sob uma bananeira no terreno ao lado do barraco onde morava. “Nós não sabíamos que o Fernando estava praticando crimes. Ele era o orgulho de toda a comunidade quando saía e chegava com aquela farda verde, sempre muito bem cuidada”, diz dona Júlia.

O assalto à joalheira foi o que o levou à prisão, mas no Exército Beira-Mar já estava implicado no desvio de cargas e auxiliava alguns oficiais no roubo de armas exclusivas das Forças Armadas. Preso, ele não entregou ninguém. “Nunca delatei. Eu sou homem, não gosto disso e tenho palavra”, diz o traficante. “Cumpri dois anos de cadeia, fui um bom aluno na faculdade do crime e fugi disposto a vencer.” De volta à favela, Beira-Mar continuou na bandidagem. Ampliou a casa da mãe e construiu uma do outro lado da rodovia, com casas melhores.

Humberto Nicoline/Hoje/AE
… e a casa em Betim (MG), construída com o dinheiro do tráfico e arrestada pela Justiça

Por divergências com policiais da Baixada Fluminense, trocou o Rio pela Paraíba. “Trabalhava como um doido na construção civil e não conseguia comprar nada”, diz. Voltou para a favela Beira-Mar já com 22 anos e assumiu o tráfico, então comandado por um tal de Nadinho, morador de uma favela vizinha. Em pouco tempo, se uniu a outro traficante conhecido como Kida, derrotou Nadinho e mais tarde o próprio Kida. “Sou bandido e no meu ramo matar faz parte do esquema”, diz sem cerimônia. Quantos mandou matar, não diz. Com dinheiro e prestígio entre os fornecedores de cocaína e armas, Beira-Mar começou a acumular patrimônio. Mudou-se para Belo Horizonte e manteve gerentes na favela. Em 1996 foi preso e condenado. Fugiu em 1997. As casas em Minas foram confiscadas e entregues, na última semana, para a PM mineira. Escondeu-se no Paraguai, de onde montou uma base de operações para toda a América Latina e investiu na compra de fazendas.

Em seu esconderijo, onde diz estar absolutamente seguro, mora com duas mulheres e uma filha de dois anos. É pai de seis filhos menores com cinco mulheres diferentes e mantém os quatro filhos das irmãs. Ao todo, 11 crianças, o mais velho de 17 anos. “Pago escola e curso de inglês para todos. Não quero ver meus filhos com bandidos”, afirma o traficante, que mesmo de longe acompanha o dia-a-dia dos filhos. “Se preciso, aplico os castigos até pelo telefone.” Também foi por telefone que ele mandou torturar até a morte um vizinho que teve um caso com uma de suas namoradas.