No próximo 14 de dezembro, deverá acontecer o leilão da Copene, núcleo vital do pólo petroquímico da Bahia e maior central de matérias-primas do setor na América Latina. Eteno, propeno, estireno e outros compostos ali produzidos são insumos-chave na fabricação de bens de consumo tão diversos quanto brinquedos, eletrodomésticos e carros. Até o fechamento desta edição, tinham entrado no ringue uma empresa nacional, o grupo Ultra, e duas estrangeiras, a norte-americana Dow Química e a argentina Perez Companc. Das três, a Dow é avaliada pelo mercado como a de maior fôlego. Os ânimos dos industriais nativos estão exaltados. Se nocautear os adversários, a Dow irá controlar a indústria petroquímica em todo o Mercosul (leia quadro).

Reclamações – A empresa de Midland costuma exibir seus músculos de maneira ostensiva. Há três anos, fez um lobby pesado. É o que revela carta obtida por IstoÉ, enviada ao governo brasileiro, em 29 de outubro de 1997, por Frank Farfone, vice-presidente comercial da multinacional. Na correspondência, Farfone interfere em assuntos do País, reclama muito e pede ajuda. Critica a associação da Petrobrás com o grupo Odebrecht para a formação do pólo petroquímico de Paulínia, em São Paulo, assunto quente naquela época. A parceria, relata Farfone, atraiu a atenção da imprensa e de políticos, incluindo o presidente Fernando Henrique Cardoso. E deixou a Dow “muito surpresa quanto à preferência dada a apenas uma empresa, o que não é comum nem justo em se tratando de uma estatal”.

O vice-presidente da Dow contesta a posição assumida pela Odebrecht, de que o contrato visaria fortalecer a empresa baiana diante de gigantes como a Dow e a Shell. Diz que todo ataque se dirigia contra a Dow e que apenas empresas brasileiras haviam sido convidadas a participar de Paulínia. E, enfim, afirma que a Odebrecht estaria se valendo de um ponto de vista nacionalista para colocar a Dow como “vilã”. Em três meses, as duas estariam disputando o leilão do controle da Conepar, espólio que ficou com o Banco Central após a liquidação do Banco Econômico.

O valor da Conepar vem de sua participação acionária na central de matérias-primas Copene. A venda acabou adiada depois de vários rounds de disputa entre as empresas do setor petroquímico. E agora haverá mais uma tentativa, só que, desta vez, o BC procurou tornar o negócio mais atrativo. No leilão, também estarão à venda as participações acionárias que a Odebrecht, a Suzano e a Mariani detêm na Copene.

Nenhuma das empresas nacionais quis atender a reportagem. Em resposta a IstoÉ, a gerência de comunicação da Dow diz que a carta “não se aplica ao cenário atual”, reconhecendo, portanto, a sua legitimidade. Mas a carta de Farfone não apenas se refere diretamente ao leilão, que se arrasta desde então, como também mostra a tentativa de influência da Dow em outro episódio, o da formação do pólo de Paulínia. A empresa não respondeu às indagações da reportagem: pedir interferência do governo brasileiro é um meio legítimo de fazer negócio? A empresa costuma se utilizar desse tipo de método?

“Esse tipo de ação política não é de hoje”, diz um dos empresários envolvidos no leilão da Copene. “Também não é de hoje a intimidade da Dow com determinadas alas do governo.” Farfone faz questão de frisar na carta: “Estamos no Brasil desde os anos 50, investimos mais de US$ 800 milhões aqui e empregamos cerca de 1.500 pessoas.” No início dos anos 70, a presidência da filial brasileira da Dow foi ocupada pelo general Golbery do Couto e Silva. Naquele tempo, foi montada a estrutura básica da indústria petroquímica brasileira, com amplo financiamento público.

Golbery voltaria ao poder em 1974, como chefe do Gabinete Civil do presidente Ernesto Geisel. Este apoiou a criação do pólo de Camaçari, na Bahia, com o argumento de desenvolver o Nordeste. Depois, decidiu criar outro pólo, no Rio Grande do Sul, contra aqueles que, como Golbery, queriam uma central privada na Bahia, pertencente à Dow. Após sair do governo, em 1979, Geisel presidiu os conselhos de administração da Copene e da Norquisa, empresas que aglutinam uma dúzia de grupos industriais, a maior parte brasileira.

Duas visões – Agora, uma vez mais, o governo está dividido. Uma ala, liderada pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, não quer interferência do governo no leilão. Se a Dow for a vencedora, tanto melhor. Entram dólares no País para ajudar a fechar o rombo anual nas contas externas. Estima-se que o controle da Copene seja vendido por um valor entre US$ 800 milhões e US$ 1,5 bilhão. Neste ano, o governo já tapou o buraco, com a entrada de investimento direto para a compra de empresas nacionais. Mas, em 2001, o déficit será da mesma magnitude, em torno de US$ 25 bilhões – e, com as turbulências na economia internacional, aumenta o risco de o Brasil não conseguir captar tal volume de recursos.

A outra ala do governo acha importante defender a indústria nacional contra o poder de fogo da Dow Química. Francisco Gros, presidente do BNDES, resolveu seguir seu antecessor, Andrea Calabi, e dar bala ao grupo Ultra. A ajuda no leilão, via empréstimos e participação acionária, estava prevista inicialmente em torno dos R$ 600 milhões. Mas, segundo publicou a Folha de S. Paulo semana passada, pode chegar a R$ 1 bilhão.

A presença da Dow Química se torna avassaladora com a compra da Union Carbide, em 1999. Será criado o segundo maior grupo petroquímico mundial, atrás apenas do Shell-Basf. A união ainda não foi aprovada pelos órgãos reguladores, nem fora nem dentro do Brasil. Os concorrentes e empresas consumidoras, como Odebrecht, Ipiranga, Triunfo, Solvay, Politeno, Unipar e Rio Polímeros, temem ficar nas mãos da Dow. Com a Copene, a empresa americana ficaria tão forte no Brasil quanto na Argentina, onde virou monopolista após a compra do pólo de Baía Blanca. O risco para os consumidores brasileiros seria um aumento de preços com efeitos sobre uma infinidade de produtos.