Exatamente às 17 horas do domingo 26, a secretária de Estado da Flórida, Katherine Harris, colocou seu jamegão na ata que oficializava o governador do Texas, George W. Bush, como sendo o vencedor das eleições presidenciais naquele Estado. Já no dia seguinte, Bush usou uma cadeia nacional de emissoras para se declarar o 43º presidente dos Estados Unidos da América. À Napoleão Bonaparte, tomou para si a coroa e a colocou na própria cabeça, tendo como moldura duas “Old Glory”, a bandeira americana, para tornar mais presidencial o cenário de sua elevação. E como primeiro ato de seu reinado, anunciou que seu vice-presidente, Dick Cheney, seria incumbido do período de transição entre a administração atual e a futura. Mas sua extravagância revelou mais o desejo republicano do que a reflexão da realidade. No dia seguinte, o candidato democrata Al Gore também se cercaria de bandeiras para dizer ao país que o trono continuava em disputa e as pretensões de seu rival eram apenas um conto de fadas. A novela das eleições americanas teria final decidido somente na Suprema Corte a partir da sexta-feira 1º de dezembro. E para demonstrar sua majestade, Gore também disse que estava montando uma equipe de transição. Esperava, deste modo, provocar o Waterloo de Bush II.

Às dez horas da manhã da sexta-feira, os 12 juízes da Suprema Corte se reuniram em Washington para ouvir 90 minutos das partes. Num evento sem precedentes, permitiram a presença de câmeras de tevê para gravar a solenidade. Prometeram também um desfecho rápido para a novela eleitoral. Este pode ser o movimento decisivo no jogo bizarro em que se transformou a sucessão presidencial do país. A própria Suprema Corte só havia entrado na disputa a pedido dos advogados de Bush, que solicitavam que fossem desconsiderados os resultados das contagens manuais de votos na Flórida. Durante toda a semana, novas batalhas jurídicas eram travadas em cortes da Flórida. Numa delas o juiz Sanders Sauls ordenou que 600 mil sufrágios do condado de Miami e outros 500 mil de Palm Beach fossem transferidos para sua corte em Tallahassee, capital da Flórida. “O pior é que ninguém sabe se estes votos sequer serão contados outra vez. Não há tempo para isso, pois o último prazo para se determinar em quem os delegados eleitorais do Estado vão votar termina no dia 12 de dezembro”, disse a ISTOÉ o professor Laurence Tribe, professor de direito constitucional de Harvard.

O tempo é curto principalmente para Al Gore, que vê suas chances de se apossar do trono ficarem mais remotas a cada dia. Seus passos estão sendo bloqueados pelos inúmeros emaranhados legais movidos por ambos os lados, e o país começa a ficar impaciente com o imbróglio. As últimas pesquisas apontam que 54% dos cidadãos acreditam que o democrata deve reconhecer a derrota. Isso, porém, não significa que os eleitores estejam satisfeitos com o resultado. Há desconforto crescente com o fato de que Al Gore acompanha pessoalmente a evolução da batalha, enquanto George Bush delegou a guerra a seus generais. Pelo país já se fala que Dick Cheney é na verdade o presidente de fato. Na quinta-feira 30, o republicano convocou mais um general estrelado para as trincheiras, desfilando em seu rancho no Texas junto de Collin Powell, o comandante da Guerra do Golfo. “A impressão que se tem é a de que Bush está deixando as decisões importantes nas mãos dos amigos de seu pai, o ex-presidente George Bush”, diz o professor Laurence. Ou seja: até a semana passada, Bush não era presidente nem de fato nem de direito.