O espetáculo mais quente da Broadway na semana passada foi a maior fria. Especialmente para o artista que o protagonizou. David Blaine, um mágico e faquir de 28 anos, ficou 62 horas em pé, sem comer e sem dormir, dentro de um bloco de gelo de seis toneladas. Na esquina da rua 44 com a Broadway, em pleno coração da famosa Times Square, este picolé humano ficou exposto à curiosidade e sadismo de um público de milhares de pessoas. Desde a estréia de Titanic, não se juntou uma platéia tão grande para ver um iceberg. Foram três dias de arrepiar, onde não faltaram momentos de suspense e humor negro. Blaine suportou boa parte da provação com um sorriso e nervos gelados, ao pé da letra. Até que no final, diante de câmeras de tevê, ele foi retirado à custa de serra elétrica e talhadeira, completamente roxo, arrepiado e grogue. Apelou para a obviedade em seu momento de triunfo e declarou: “Preciso dormir. Estou com muito frio.” A multidão de fãs o brindou com calorosa demonstração do espírito nova-iorquino, exemplificada pela tirada de Chris Positano, do Brooklyn: “Ele bem que poderia colocar dois dedos no meu copo de uísque.”

Os paramédicos atestaram que a empreitada de Blaine foi para valer. A prova é que a sua saúde está bastante abalada. “Ele apresenta uma diminuição dos ritmos cardíaco e respiratório, está com queimadura de gelo nos pés e num estado de desorientação, provavelmente amnésico”, diagnosticou o dr. Ronald Ruden. Portanto, não se trata de um truque daqueles que o mágico “Mister M” costumava desvendar no Fantástico. Para entrar nesta gelada, o rapaz contava com uma grande dose de insanidade. Além de um físico privilegiado, anos de preparo como faquir e meses de um treinamento que envolvia mergulhos demorados em tanques de água com gelo. Num galpão do Bronx, ele ficou como uma garrafa de cerveja transportada para um piquenique em geladeira de isopor.

Espaço acanhado – Na segunda-feira 27, exatamente às 4h31 da madrugada, Blaine se deixou ensanduichar no meio de duas placas de gelo de cerca de três metros de altura por dois de largura. O miolo deste conjunto foi esculpido para proporcionar o nicho onde o faquir se acomodou. Um espaço, diga-se, bastante acanhado e que não permitia muita movimentação. Para monitorar as funções vitais do recheio humano, o dr. Ruden colocou fiações que revelavam os percalços do metabolismo do rapaz. No segundo dia da prova já se notava uma diminuição do batimento cardíaco.

Não é a primeira vez que David Blaine faz das suas. Em 1999, ele ficou durante uma semana enterrado vivo numa rua de Manhattan. Dentro de um caixão com tampa de vidro, que era para as pessoas comprovarem o seu calvário. A fama do rapaz, porém, vem de mais longe. Ele sempre foi considerado uma espécie de David Copperfield dos pobres. Criado no bairro do Bronx, Blaine desde pequeno ia para as ruas demonstrar seus truques para uma audiência sem recursos para pagar os caros ingressos exigidos por mágicos famosos. “Ele se tornou num mito popular. É um ícone de Nova York”, diz o prefeito Rudy Giuliani, uma das muitas celebridades que ficaram amigas do rapaz. E não é para menos. Um dos truques mais célebres desse artista foi ressuscitar um pombo – aparentemente morto – na famosa Washington Square, no Village. Também costuma pegar notas de um dólar de alguém da platéia e fazer com que o jamegão do secretário do Tesouro, no canto direito da cédula, se transforme na assinatura de quem forneceu o dinheiro.

Mas nada se compara à performance de agora. Calcula-se que cerca de 1.500 pessoas por hora passaram pela frente do iceberg de David. “Estes dias de novembro costumam ser bem mais frios. Nós tivemos um aumento de temperatura e o bloco de gelo começou a derreter. Isso causou preocupação, pois a gaiola gelada estava perdendo o equilíbrio. Foi preciso cortar umas partes. Até retiramos uma das câmeras que estavam incrustadas, pois o bloco começava a adernar”, disse a ISTOÉ, William Kalush, o diretor técnico do evento.

Nas 62 horas sob temperaturas que evocavam hibernação, Blaine não pôde dormir, pois arriscava sofrer queimaduras de gelo caso encostasse a pele nas paredes do bloco. Seu único conforto era um tubo por onde o faquir poderia beber água. E eis aí outro motivo para tragédia: para expelir a água que tomava, Blaine tinha à disposição um cateter. O problema é que os faxineiros que enxugavam o gelo derretido na calçada desconectaram esse cano com seus rodos. Quase impuseram mais um tormento ao infeliz, impossibilitando-o de urinar. A tragédia só foi evitada graças ao olhar perspicaz da namorada de David. A moça também suportou sua cota de martírio. “Para aguentar este Blaine ela deve ser frígida”, disse alto uma moreninha. Quando a heroína sapecou um beijo de congratulações na boca do noivo recém-saído do gelo, alguém comentou: “Aaargh! Depois de passar três dias dentro do gelo, imagina o mau hálito deste cara!” O que prova o quanto é duro ganhar a vida como mágico numa terra de humoristas amadores.