Desde que a noite começou a ser dominada por grupos de pagode e DJs especializados em música techno, encontrar um piano-bar era tão difícil quanto achar água no deserto. Os fãs inveterados de Antonio Maria, Dolores Duran e Billy Blanco, no entanto, jamais desistiram. Acabaram provocando a nostálgica inauguração de uma série de pianos-bares, onde imperam a música suave e a decoração discreta. Engana-se quem acredita que esses redutos de boemia são restritos a enfadonhos casais sexagenários. Muitas casas recebem a visita massiva de jovens de 20 anos, tão habilidosos em dançar cheek to cheek que parecem ter vivido no auge dos anos dourados.

No Rhapsody Piano Bar, na Lagoa, zona sul do Rio, a moçada tem sido atraída por saudosos hits de bossa nova e música romântica internacional interpretados apenas com piano e voz. “A gente vem aqui tomar uns drinques, conversar e dançar coladinho”, diz o médico carioca Alan Bernacchi, 25 anos. “Em lugar muito cheio e barulhento não dá para namorar”, completa sua namorada, a advogada Alessandra Carneiro, 24. A proprietária do Rhapsody, Marly Sampaio, já se acostumou com a presença da filha de 19 anos, que leva uma turma de amigos a tiracolo. Para entreter a moçada, o piano-bar fica aberto de segunda a sábado com música ao vivo até as 5h da manhã. “Tem muito jovem que não aguenta mais discoteca”, arrisca Marly.

Pianistas festejados, como Pedrinho Mattar, que fizeram história em bares como o L’Absynthe e o legendário Baiúca – na praça Roosevelt, em São Paulo –, são entusiastas da volta do romantismo. “Ninguém suporta mais parafernália sonora”, diz. Ele começou a tocar profissionalmente no final dos anos 40 em boates conhecidas como inferninhos. Acompanhou João Gilberto quando o pai da bossa nova ainda imitava o vozeirão de Orlando Silva. Há três meses, Pedrinho é a grande atração do Passatempo, charmoso piano-bar localizado nos Jardins, em São Paulo, onde freguês de tênis e camiseta não entra. “No Baiúca, fui frequentado até por uma pantera negra, que gostava de se deitar debaixo do piano com sua coleira de diamantes. Era de um casal que nunca ia ao bar sem o bichinho de estimação”, conta.

Moacyr Peixoto, 80 anos, também coleciona “causos”. Irmão de Cauby Peixoto, Moacyr foi considerado o maior pianista de jazz do Brasil sem jamais ter aprendido a ler partitura. “Sempre toquei de ouvido. Meu pai tocava piano ao vivo durante as sessões de cinema mudo do Rio. Eu corria para brincar nos teclados ao final do filme”, explica. Tornou-se profissional aos 16 anos e, aos 18, já tocava em cassinos. Quando o jogo foi proibido, em 1946, Moacyr arrumou emprego na boate Oásis, em São Paulo, para onde acabou levando seus irmãos. “Araken assumiu o trompete e Cauby veio cantar. Ele tinha 15 anos e menor não podia trabalhar em boate. O público apenas ouvia sua voz por trás da cortina”, lembra.

Moacyr ainda se apresenta, de terça a domingo, no Clube Harmonia de Tênis, aberto só para sócios. “Lá, o público entende a música que eu faço. Ninguém vai pedir para eu tocar Chitãozinho e Xororó”, garante. Seu irmão Araken aposentou o instrumento há dois anos. “Antigamente, a gente saía de um bar e ia direto para outro. Tocava até as 4h da manhã em várias casas”, diz. Um dos endereços era o Hotel Ca’d’Oro, em São Paulo. “Eu descia do palco e ia sentar nas mesas, tocar pertinho do público. E tocava com todo mundo fumando em volta, aquela bagunça. Isso me rendeu três pontes de safena”, conta. Araken sente falta do ambiente dos anos 50 e afirma que não há mais espaço para música de qualidade no Brasil.