ENGENHARIA Cortina de água de Waterwall levou dois anos para ficar pronta e é usada até em desfiles de moda

O que bombas hidráulicas e fuselagem de aviões têm a ver com espetáculos de dança? De um modo geral, nada. A exceção fica por conta dos balés Waterwall, em cartaz em São Paulo, e Diavolo, em turnê por diversas cidades do País. Carro-chefe da companhia italiana Materiali Resistenti Dance Factory, Waterwall leva para o palco uma cascata de quatro metros de altura e dez de comprimento, que destila ininterruptamente 20 mil litros de água succionados até o topo de uma cortina de chuveiros por bombas similares às utilizadas em poços artesianos. No caso de Diavolo, a parafernália causa impacto igual: a companhia americana de Los Angeles usa enormes artefatos como um meio cilindro de quatro metros de largura, semelhante a um navio, ou uma enorme parede somente para escaladas. Essas geringonças de ferro, alumínio e madeira são desenvolvidas por uma empresa especializada em customização de aviões. Combinada a um festival de efeitos, nessas apresentações a dança se dá em vigorosa interação entre os bailarinos e a cenografia, que mais parece uma luta do homem contra a máquina.

CHUVEIRO A temperatura da água começa com 31 graus no início do balé e depois cai para 27

Chamar os integrantes dessas duas companhias de bailarinos é reduzir o vasto leque de suas habilidades. Além de dançar, eles se penduram de cabeça para baixo em cordas de rapel, atiram-se ao chão como jogadores de rúgbi e fazem movimentos acrobáticos no topo de estruturas pouco apropriadas para isso. "Considero meus dez bailarinos mais gladiadores que dançarinos", diz o coreógrafo e criador da Diavolo Dance Theatre, Jacques Heim. "Para trabalhar aqui é proibido sofrer de vertigem e não dá para ter medo de choques violentos ou de sangue." Na trupe de Waterwall as exigências aumentam: eles passam 70 minutos debaixo de uma forte chuva. "O candidato a um papel tem de provar seus conhecimentos de dança e acrobacia e ter boa relação com a água", diz Ivan Manzoni, criador da Materiali Resistenti. "É preciso ser forte o suficiente para suportar a duração do espetáculo e a pesada torrente de água que cai o tempo todo."

Dentre os 16 bailarinos-atletas da companhia está o ex-nadador paulista e campeão de saltos ornamentais Luis Mangini. Ele conta que, mesmo com tantos ensaios (quatro horas diárias, geralmente), é comum acontecerem escorregões e batidas na estrutura de alumínio. Nas cenas em que há simulação de que estão surfando, os acrobatas fazem isso diante de uma onda monumental e todos aparecem com floridas bermudas havaianas. O figurino mais usado, no entanto, são roupas pretas impermeáveis de neoprene. Outro truque desenvolvido em quase dez anos de sucesso é a temperatura da água, que começa por volta de 31ºC e termina medindo 27ºC. Ela não pode ser muito fria, pois causaria contusões no corpo aquecido, nem muito quente, porque provocaria o efeito contrário: relaxaria demais os músculos. Waterwall (traduzindo, parede de água) abre com uma estrutura nua de alumínio que começa a ser escalada por operários vestidos de macacão laranja. Aos poucos, começa a sair água, que logo vira uma verdadeira cascata, embelezada por exuberantes e surpreendentes efeitos luminosos. O visual é tão espetacular que o grupo atualmente oferece seus serviços para desfiles de moda e lançamentos de produtos – entre as marcas que já usaram esse efeito está a BMW, que fez, em um de seus mais originais e famosos anúncios, um carro sair detrás da parede de água.

Essa engenhoca é o resultado de um projeto que envolveu conhecimentos de engenharia nas áreas de mecânica, hidráulica e sistemas elétricos, e se prolongou em testes que demoraram dois anos. Tudo isso até que ela se mostrasse adequada aos movimentos dos bailarinos. O processo é parecido com os objetos de cena do espetáculo Diavolo. "A estrutura é sempre desenhada com a colaboração de um arquiteto ou de um designer", diz Heim. "Aí, os bailarinos improvisam movimentos nessa estrutura por um período de três semanas. Em dois meses, temos uma nova coreografia." No espetáculo o grupo apresenta cinco coreografias, e duas delas (Knocturne, Dueto I e Dueto II) foram criadas e desenvolvidas para acontecer em uma porta de três metros de altura. "Viajar com esses cenários é o nosso grande desafio", diz Heim. Pode até ser. Mas desafios maiores, sem dúvida, são os perigosos movimentos e incríveis saltos no vazio.

PEGANDO ONDA Bailarinos surgem como surfistas em Waterwall. A roupa impermeável de neoprene da dançarina contribui para não aumentar o seu peso