Nas primeiras aulas de qualquer faculdade de Direito se aprende que promotores/procuradores, magistrados e advogados são três atores distintos que atuam em um único enredo: o de buscar Justiça. Nesse roteiro, não há protagonista nem coadjuvante. Cada qual em seu papel, os três operadores do direito têm exatamente o mesmo grau de importância e devem necessariamente seguir um mesmo script: a lei. A efetiva compreensão desse modo de atuar é um dos pilares para a manutenção do chamado estado democrático de direito. No caminho para se fazer justiça, portanto, não há espaço para dom Quixotes. E, nesse sentido, todos aqueles que desejam a construção de uma sociedade capaz de combater a corrupção e de não aceitar o crime como algo corriqueiro deveriam estar preocupados com o comportamento do jovem procurador Deltan Dallagnol, um dos comandantes da Operação Lava Jato.

Na segunda-feira 27, durante apresentação em uma igreja Batista no Rio de Janeiro, o procurador se colocou quase na posição de um messias no combate à corrupção. Tratou a Operação Lava Jato como uma espécie de missão divina e chegou a insinuar que Deus estaria olhando e promovendo as mudanças necessárias para tirar o Brasil das mãos de corruptos e corruptores. Do mesmo púlpito, comparou os investigadores a Neemias, personagem do Antigo Testamento, que em apenas 52 dias e sem recursos reconstruiu a cidade de Davi, debaixo dos escombros havia um século. Será que um procurador que trata a luta contra a corrupção de forma tão messiânica tem a serenidade necessária para um operador do direito que deve encontrar a justiça com isenção?

Além da manifestação religiosa, Dallagnol tem promovido uma espécie de jornada contra a impunidade, percorrendo templos e auditórios em busca de assinaturas uma emenda popular que torne mais severas as penas contra o crime de corrupção. A causa é mais do que justa. É necessária e inadiável. Também é natural nas democracias que as pessoas participem de processos como esses. Mas será que é apropriado a um procurador liderar esse movimento no momento em que está no comando de uma das mais competentes ações contra a corrupção já realizadas no País?

Em que pese uma ou outra polêmica, o desempenho de Dallagnol e seus colegas, bem como o dos demais atores da Lava Jato, é, até agora, digno de respeito e motivo de aplausos dos brasileiros. Mas é bom que se lembre das lições transmitidas nas primeiras aulas de qualquer faculdade de Direito. Essas lembranças talvez evitem que o Brasil assista a outra Operação Satiagraha.

Na ocasião, o delegado Protógenes Queiroz levou brasileiros do andar de cima para a cadeia e era aplaudido por onde passava. Mas acabou tomando para si um papel de Quixote. Em sua cruzada os fins justificavam os meios, pois se imaginava um destinado a livrar o Brasil dos corruptos. O resultado foi a anulação de toda a investigação e a percepção de que esse é o país da impunidade. Que a Lava Jato tenha outro rumo. É necessário que procuradores, magistrados e advogados mantenham a serenidade que seus papeis exigem.  

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