Ex-combatente do Vietnã critica o Guerra nas Estrelas,que ajudou a criar, e diz que os EUA não estão preparadospara enfrentar o terrorismo

Robert Bowman, tenente-coronel americano da reserva, viveu a maior parte de sua vida em contato com os segredos do Pentágono e as estratégias militares de Washington. Foi diretor dos programas Guerra nas Estrelas durante os governos dos presidentes Gerald Ford (1974-77) e Jimmy Carter (1977-81). No governo Ford, Bowman era o chefe do ultra-secreto Departamento Nacional de Reconhecimento de Satélites de Espionagem. Durante a Guerra Fria, seguiu de perto o polêmico sistema de defesa antimísseis, na condição de vice-presidente do Programa de Sistemas Balísticos Avançados. Como diretor do Departamento Europeu de Pesquisa e Desenvolvimento Aeroespacial, em Londres, viajou pela África e Ásia. Finalmente, presidiu o Instituto de Estudos para o Espaço e Segurança entre 1982 e 1999. Como piloto da Força Aérea, Bowman participou de nada menos que 101 missões de combate no Vietnã e foi condecorado com inúmeras medalhas. Ele também é PhD em engenharia aeronáutica e nuclear. Com todo esse currículo, seria de esperar que Bowman fosse um falcão disposto a defender a guerra e a cruzada contra o terrorismo. Mas suas opiniões corrosivamente críticas à política externa dos EUA fazem do coronel um personagem muito mais próximo dos barulhentos manifestantes antiglobalização do que do sisudo establishment americano. Logo após os atentados contra as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, em 1998, o militar mandou uma carta ao então presidente Bill Clinton alertando sobre a hipocrisia da campanha contra o terrorismo e criticando a manutenção das boas relações da Casa Branca com a monarquia saudita por causa dos lucros da indústria do petróleo. “Se suas mentiras sobre o terrorismo forem mantidas, então a guerra continuará até o dia em que os terroristas nos destruírem.” E isso não foi uma premonição, mas um alerta de quem conhece bem o governo.

Bowman surpreende ao falar sobre o programa Guerra nas Estrelas, que ajudou a criar. Ele é totalmente contra o atual sistema. “Quando Ronald Reagan foi eleito, ele virou o Guerra nas Estrelas de cabeça para baixo. Deixou de ser um sistema preventivo para se tornar um sistema ofensivo”, acusa. Para ele, os EUA só mantêm um programa como esse para garantir sua supremacia tecnológica e militar no mundo. “Nenhum centavo dos US$ 273 bilhões anuais que gastamos nesse programa nos defenderá das bombas terroristas”, alerta. Aos 67 anos, casado, sete filhos e 20 netos, Bowman foi pré-candidato presidencial nas eleições de 2001 pelo Partido da Reforma, o mesmo do texano Ross Perot, antes de o partido ser dominado pelo ultradireitista Pat Buchanan. Bowman garante que, se estivesse ocupando o lugar de George W. Bush, a guerra contra o Afeganistão nunca teria acontecido, porque ele teria dado fim ao embargo ao Iraque e tirado as tropas americanas da Arábia Saudita, um dos pretextos de Osama Bin Laden para os ataques terroristas aos EUA.

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Como se explica o fato de que, mesmo com um sofisticado aparato tecnológico, os EUA não estejam preparados para combater o terrorismo?

Robert Bowman

O governo americano vem há anos se preparando para se defender de ataques de mísseis balísticos, muito improváveis de serem usados por terroristas. Mas nunca gastou tempo, nem dinheiro, para se preparar contra ataques terroristas. Nunca, por exemplo, se preparou para ataques realizados por sequestradores de aviões. E também não se esforçou em encontrar meios para impedir a entrada de armas no país. Ou seja, o governo americano está muito mal preparado para combater ataques terroristas.

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O sr. escreveu uma carta ao ex-presidente Bill Clinton dizendo a ele para dizer a verdade, não sobre o caso Monica Lewinsky, mas sobre as mentiras do combate ao terrorismo.

Robert Bowman

 Certo. Quando ocorreram os ataques terroristas contra as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, em 1998, eu disse ao presidente Clinton que, se ele continuasse mentindo sobre os atentados, então a guerra do terrorismo iria continuar até o dia em que os terroristas nos destruíssem. Se realmente os EUA fossem a favor da paz, da democracia, da liberdade e dos direitos humanos, como afirmou Clinton em seu discurso, não seríamos alvo dos terroristas. Precisamos reconhecer que somos alvos não porque promovemos a democracia, mas justamente porque negamos a liberdade e os direitos humanos a muitos países. Os EUA têm sido responsáveis por muito sofrimento em várias partes do mundo. Apoiamos ditaduras de extrema direita, sempre favorecendo as grandes corporações multinacionais, em detrimento das populações. Isso aconteceu em 1973 no Chile, nos anos 80 em El Salvador e na Nicarágua, e em muitos outros países, só para ficarmos na América Latina.

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Qual a melhor forma de combater o terrorismo?

Robert Bowman

 A única maneira de conter o terrorismo é isolar os terroristas de suas comunidades. Ou seja, para pegar Osama Bin Laden e seus parceiros, é necessário isolá-lo da grande comunidade islâmica e árabe, onde ele tem apoio. Precisaríamos, genuinamente, ouvir as populações que estão contra nós, no intuito de aliviar seus sofrimentos. E por isso é importante entendermos a história e o porquê de eles odiarem os EUA. Se eu tivesse sido eleito presidente, essa guerra não teria acontecido. Como eu disse durante a campanha, no meu primeiro dia iria anunciar o fim do embargo contra Cuba e das sanções contra o Iraque. Também traria de volta os soldados americanos que estão na Arábia Saudita. E acabaria com a CIA (Agência Central de Inteligência), que é uma grande causadora de sofrimentos no mundo. Agora, dentro da perspectiva atual dessa guerra, nós americanos deveríamos tratar esses terroristas como criminosos comuns e trazê-los para serem interrogados e julgados aqui nos EUA ou em uma corte internacional. Entrar numa guerra como essa é desaconselhável, porque eleva os terroristas ao status de guerreiros, o que eles não são. Eles são criminosos comuns e assim deveriam ser tratados. O que não está sendo feito são as medidas de longo prazo que envolvem acabar com as razões pelas quais somos odiados. Isso significaria resolver nossa dependência do petróleo do Oriente Médio, além de promover alternativas energéticas nos EUA. Feito isso, poderíamos mudar nossa política externa na região para não ter que apoiar ditaduras como a da Arábia Saudita. Não teríamos que apoiar nenhum governo de Israel que violasse os direitos dos palestinos. E seríamos capazes de ter uma política externa em que não tivesse que colocar os direitos humanos dos árabes, especialmente das mulheres, abaixo dos lucros das companhias de petróleo.

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Por que o sr. sugere retirar as tropas da Arábia Saudita? Os EUA fazem vista grossa ao regime autoritário da realeza saudita?

Robert Bowman

 As tropas americanas na Arábia Saudita são uma ofensa ao povo muçulmano, porque não há razão real e legítima para estarem ali. A guerra contra o Iraque foi fabricada, na qual nunca deveríamos ter entrado. Nós, americanos, levamos Saddam Hussein a invadir o Kuait. Fizemos uma armadilha para que ele caísse e depois, quando ele concordou em sair, nós não o deixamos e começamos a guerra assim mesmo. Uma coisa muito estranha que fizemos e que custou muitas vidas naquela parte do mundo. E existe uma perigosa relação entre os EUA e a família real saudita. Nossas tropas não estão ali para defender os interesses das populações dos países da região, mas preocupadas com os lucros do petróleo. Claro que a saída das tropas não vai acontecer agora, mas, se tivéssemos feito isso há meses, talvez não tivéssemos esta guerra.

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 O sr. se refere ao apoio do governo americano ao Taleban durante anos?

Robert Bowman

 Em termos genéricos, acredito que os EUA deveriam se manter longe de outros países. Entretanto, já havíamos colocado o nariz ali no Afeganistão dando assistência aos mujahedin e ao Taleban para nos livrarmos dos russos. Não deveríamos ter feito isso. A condição das mulheres afegãs, por exemplo, piorou muito de uma hora para outra e nós temos certa culpa nisso. O problema é que nós nos envolvemos num país e, depois que obtivemos sucesso em nossas operações, simplesmente o abandonamos. No Afeganistão, deixamos um país pobre e em ruínas, com vários grupos lutando entre si para assumir o poder. O que era preciso fazer no momento em que os russos saíram era dar todo o apoio financeiro para a reconstrução do país em termos realmente democráticos. E isso nós não fizemos. Se continuarmos essa guerra contra o Taleban e conseguirmos expulsá-lo e se abandonarmos o Afeganistão novamente, isso será um grande erro. Deveríamos possibilitar que os afegãos tivessem o mínimo de condições para viver.

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Por que o sr. sugere extinguir a CIA?

Robert Bowman

Supostamente a CIA foi criada para adquirir informações que ajudassem na segurança dos EUA. Obviamente, eles falharam nessa missão. Basta ver o que aconteceu no dia 11 de setembro. Minha visão é de que a CIA, infelizmente, está muito mais envolvida em jogos sujos, corruptos, em desestabilizar as políticas de alguns países em vez de cuidar da segurança dos americanos. Essa organização é tão corrupta que tentar reformá-la é quase impossível. Os ex-presidentes Jimmy Carter e Ronald Reagan tentaram, mas não conseguiram. Então eu simplesmente aboliria a instituição. E, no lugar, deixaria essas missões da CIA para as agências de inteligência dos Forças Armadas que já existem.

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É pelo mesmo motivo que o sr. também sugeriu o fim da Escola das Américas?

Robert Bowman

Os esquadrões da morte na América Latina foram treinados pela Escola das Américas e depois voltaram para seus países e cometerem atrocidades. Muitas vezes isso aconteceu nos países latinos, onde a escola é chamada de “escola de assassinos”. Vários americanos trabalham há anos para o fechamento dessa escola, mas o máximo que conseguimos foi que ela mudasse de nome (risos).

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O sr. participou das primeiras versões do Programa Guerra nas Estrelas, nos governos Gerald Ford e Jimmy Carter. Agora, o presidente George W. Bush fala em retomá-lo. Qual é a sua opinião?

Robert Bowman

 Os ataques terroristas chegam por aviões, navios e não por mísseis. E, até agora, o presidente Bush está insistindo em dizer que o programa é necessário, o que é uma terrível distorção da verdade.

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Qual é a verdade então?

Robert Bowman

 A verdade é que esse programa foi produzido para assegurar o domínio militar espacial dos EUA no mundo, e não para nos defender de ataques de mísseis balísticos. Há anos venho dizendo que o argumento tecnológico desse “escudo antimísseis” é totalmente irrelevante, porque o Programa Guerra nas Estrelas nada tem a ver com defesa. É uma tentativa de manter militarmente a superioridade americana.

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E por que a população americana não foi convencida disso?

Robert Bowman

 Porque há uma grande campanha de propaganda em apoio a esse programa que, se realmente funcionasse, seria defensivo. A grande imprensa americana publicou apenas os pareceres positivos ao programa e censurou todas as discussões sobre se o Guerra nas Estrelas. Questões como saber se ele é realmente defensivo e se valeria a pena pagar os altos custos do programa foram ignoradas.

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Quando o sr. deixou de defender o programa Guerra nas Estrelas?

Robert Bowman

 Eu me aposentei em 1978 e, na época, acreditava que tínhamos feito um bom trabalho. Eu apoiava a política governamental quando Carter era presidente. Mas quando Reagan foi eleito, ele virou tudo de cabeça para baixo. Seus conselheiros eram pessoas que, nas Forças Armadas, chamávamos de estúpidos. Foram eles que mudaram o propósito do programa Guerra nas Estrelas, que de defensivo passou a ser ofensivo. Por isso, não poderia apoiá-los. Eu não mudei como pessoa, o que mudou foi o programa governamental.

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A indústria de armas está ligada ao governo americano?

Robert Bowman

 Sim, essa ligação é visível na indústria de petróleo. Em muitos casos, há um entrelaçamento dessas empresas com o governo. Membros das direções dessas empresas, por exemplo, estão também em altos postos do governo. E executivos da indústria bélica, às vezes, estão ligados à indústria do petróleo. Aliás, é interessante notar que os países ou regiões em que os EUA estiveram militarmente mais presentes nos últimos anos, como Bósnia, Kosovo e Afeganistão, são pontos-chaves para o transporte do petróleo do mar Negro para o Mediterrâneo e, portanto, fundamentais para o lucro das indústrias petrolíferas.

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Como o sr. analisa as recentes tentativas da Casa Branca para levar israelenses e palestinos a estabelecer uma trégua e voltar à mesa das negociações?

Robert Bowman

 O premiê Ariel Sharon foi o responsável por desencadear essa nova Intifada quando pisou no templo sagrado dos muçulmanos. Se a política de retaliação funcionasse, os israelenses seriam a nação mais segura na terra. Israel já realizou todo tipo de retaliação, mas isso não trouxe segurança para seu povo. Por isso, novas táticas devem ser tentadas. Uma delas seria Israel voltar às fronteiras estabelecidas pela ONU em 1967. Se eles concordassem em fazer isso, então aí os EUA poderiam garantir a segurança com os vizinhos de Israel.

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 Por que os EUA são tão odiados no mundo árabe e muçulmano?

Robert Bowman

O fato de apoiar incondicionalmente Israel fez com que os palestinos nos odiassem. Os EUA também são temidos e odiados pelas coisas que fizemos em outros países, como a derrubada de líderes eleitos democraticamente para apoiar ditaduras. E também somos detestados porque às vezes não somos capazes de derrubar certos ditadores, embora continuemos a punir o país, como acontece no caso do Iraque e de Cuba. É incrível como, nesses países, a população americana não é odiada, mas sim seus líderes. Infelizmente, alguns não fazem a diferença entre governo e população e por isso tivemos os atentados do dia 11 de setembro.

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Como o sr. analisa a cobertura da guerra pela mídia americana?

Robert Bowman

Creio que ela está sendo parcial. Não acredito que a população americana esteja vendo as cenas dos refugiados, porque as imagens são editadas antes de chegar ao público. Há uma censura na grande imprensa, porque são corporações que sempre se beneficiam destas guerras.