Halloween com bruxas soltas nos Estados Unidos. A semana do 31 de outubro começou com o medo semeado por ninguém menos do que o secretário de Justiça americano, John Ashcroft, e seu subalterno Robert Mueller, diretor do Federal Bureau of Investigation. Na segunda-feira 29, a dupla entrou em cadeia nacional para alertar a população sobre um iminente ataque terrorista. A exemplo da vez anterior, no início do mês, não disseram onde, como ou quando viria a pancada. Na verdade, as autoridades americanas não tinham essas respostas. Assim, os americanos ficaram sem saber o que fazer. A informação que fez soar o alarme, segundo fontes de ISTOÉ no FBI, veio da interceptação de uma mensagem da alta cúpula da rede terrorista Al-Qaeda, comandando seus homens a entrar em ação mesmo sem a autorização expressa da liderança. Os serviços de inteligência do Canadá também avisaram aos vizinhos do Sul que George Muehad (o nome de guerra de um figurão da Al-Qaeda) havia cruzado a fronteira dos dois países. Passou despercebido. Para aumentar ainda mais o império da tensão, o bioterrorismo no front doméstico mudou seus alvos iniciais – políticos, imprensa e postos de correio – ganhando características de metralhadora giratória, e fez sua primeira vítima fatal entre civis. Uma enfermeira do Hospital Manhattan Eye, Ear and Throat foi infectada com antraz por via respiratória e faleceu. Morreu no início do dia das bruxas.

Os sustos, porém, chegaram para os mais avisados pelo diário londrino The Times, dando conta de que Osama Bin Laden havia tentado comprar armas nucleares da ex-União Soviética. Ninguém tem certeza disso, mas é fato que centenas de artefatos russos do tipo RA-115 e RA-115-10 (a versão submarina) sumiram do inventário atômico do país. Quem notou a discrepância na contabilidade foi o general Alexander Lebed, responsável pelo arsenal no governo de Boris Yeltsin. Ele foi demitido e não se falou mais no assunto. O jornal ainda relata uma série de casos na qual mafiosos, terroristas, militares corruptos e mais toda uma súcia de intermediários teriam ativado um perigoso bazar atômico.

“Se os terroristas possuíssem algum artefato nuclear, já o teriam usado há tempo. Os rebeldes da Chechênia, por exemplo, tinham mais chances de colocar as mãos numa arma destas. E caso isso acontecesse, eles não relutariam em usá-la”, diz o general da reserva Wesley Clark, ex-comandante das tropas da Otan na guerra do Kosovo. Além do mais, lembra o general, “ter um artefato nuclear requer um esquema de manutenção que só é viável para aparatos de Estado, e não para grupos milicianos como a Al-Qaeda ou mesmo o Taleban. E, depois disso, é preciso encontrar quem leve a bomba ao alvo”. De fato, um dos aspectos mais difíceis num ataque nuclear é arranjar um jóquei para esta montaria apocalíptica. “Como os terroristas não têm mísseis, a alternativa seria entregar uma destas maletas RA-115 a um turista-terrorista enviado aos EUA. Mas seria muito difícil burlar a segurança dos aeroportos levando uma bomba atômica debaixo do braço”, diz Clark.

De qualquer modo, o governo George W. Bush tinha mais com que se preocupar naquela semana fatídica. A começar pela desconfiança generalizada de que a guerra não estava saindo de acordo com o roteiro cinematográfico vendido aos americanos. Em três semanas de combates, foram três mil bombas, ação de comandos especiais em terra, a morte anunciada das forças do Taleban, e não se via a vitória dos aliados ocidentais. Enquanto a opinião pública internacional condenava a falta de pontaria das chamadas bombas inteligentes e a morte de civis afegãos, os americanos e ingleses começavam a duvidar de sua estratégia. Afinal, o propósito declarado dessa campanha era o de eliminar a liderança da Al-Qaeda, mesmo que para isso fosse necessário acabar também com o governo Taleban. Mas quem acabou se dando mal foi um líder da oposição ao regime, trabalhando para a CIA. No dia 26 de outubro, foi fuzilado o velho mujahadin Abdul Haq, veterano da campanha contra os russos e recentemente convertido em figura de proa oposicionista. Sua ausência no teatro de operações é um revés e tanto para os planos americanos. Abdul Haq era de origem étnica Pushtun, o mesmo grupo do Taleban, e tinha como missão convencer comandantes do regime a virar a casaca. Isso propiciaria a inclusão de grupos pashtuns num futuro governo de coalizão no país.

Enquanto a liderança oposicionista ia sofrendo baixas, Osama Bin Laden permanecia alhures. Desta forma, o terrorista saudita se inscrevia numa longa lista de perseguidos do governo americano, que por mais ou menos tempo, conseguiram enganar seus caçadores. Nesta lista célebre constam o general Manuel Noriega, que brincou de esconde-esconde com os marines durante a invasão do Panamá, em 1989, e só foi capturado depois que o embaixador do Vaticano no país disse onde estava o ditador. Na Somália, em 1993, a história foi trágica. Ao tentar capturar o líder guerreiro Mohamed Adid, 18 soldados rangers americanos foram emboscados e mortos, com seus corpos arrastados pelas ruas em frente às câmeras de televisão. Adid morreu de câncer anos depois. Na Bósnia e no Kosovo, soldados americanos não conseguiram prender os criminosos de guerra mais procurados e até Slobodan Milosevic só foi preso pelo governo que o substituiu no poder em Belgrado. Esta seleção de facínoras escorregadios é longa e vai de bandidos haitianos até terroristas racistas americanos. Por isso, apenas 52% dos americanos – uma queda de 20 pontos porcentuais desde a semana anterior – diziam que tinham confiança na prisão ou morte de Osama.

Nos campos e montanhas do Afeganistão, a situação não era melhor. Os soldados da chamada Aliança do Norte não conseguiam fazer avanços, confirmando sua incompetência guerreira. Apesar dos novos uniformes – cujo padrão de camuflagem se destaca na paisagem –, as tropas da oposição vinham tomando surras dos talebans. Ou seja, como dizem os americanos: “dressed to kill”, mas sem matar ninguém. Foi preciso que uma tropa de comandos americanos fosse estabelecer base em terra, perto do QG da Aliança, para prestar assessoria militar ao comando deste exército brancaleônico. Paralelamente, os bombardeios nas linhas de defesa do Taleban aumentaram de intensidade, com o avião B-52 – voando baixo, a 25 mil pés – despejando 50 bombas de 500 quilos cada. Foi a estréia do B-52 nesta guerra: no 31 de outubro, dia das bruxas.

Direitos das islâmicas em Debate

A guerra do Afeganistão trouxe de volta um importante tema de Direitos Humanos: a violência contra a mulher. A advogada americana Layli Miller, 29 anos, defensora de casos de mulheres muçulmanas, estará no Sesc Paulista entre os dias 8 e 9 de novembro para o seminário Pro Bono em Defesa da Mulher Vítima de Violência. Layli, do Tahiri Justice Centre, em Washington, e seguidora da Bahá’i (religião fundada por Bahá’u’llá do Irã, monoteísta, que reúne princípios de várias religiões) tornou-se conhecida nos EUA por advogar em favor de uma muçulmana, vítima de mutilação genital.

ISTOÉ – Como vê a situação das mulheres no Afeganistão?
Layli – O mundo falhou, porque não percebeu que a opressão do Taleban às mulheres afegãs era um sinal de perigo. A maneira pela qual algumas são tratadas em certas sociedades é um barômetro para se perceber o que esses governos pensam sobre justiça e cidadania. Infelizmente, não atendemos a tempo este alerta. Espero que esta experiência mude essa postura.

Kátia Mello