Como teria sido a vida íntima de um par de gêmeos siameses, nascidos grudados pelo abdome, e destinados a servir de atração circense para os mórbidos olhares do público do século XIX? É a partir dessa pergunta e das notícias veiculadas pela imprensa da época sobre os irmãos Chang e Eng Bunker que o autor Darin Strauss elaborou um romance que desperta no leitor tanto a pena quanto a estupefação. Pena em razão da crueldade de um destino que uniu os corpos de duas mentes tão distintas entre si; estupefação devido à sempre inimaginável capacidade de adaptação do ser humano.

Se a existência dos dois siameses foi real, pouco importa. O autor de Chang e Eng, (Companhia das Letras, 416 págs., R$ 34) deixa claro que seu romance é pura ficção, exercício (sádico, sob a desculpa literária) de quem se dedica a imaginar os conflitos, paixões e dissabores de duas pessoas ao longo de décadas de estica-e-puxa. Simplesmente grotesco, só perdendo talvez para a vida real dos dois irmãos. Nascidos no antigo Sião, os xifópagos se tornaram celebridades do mundo das aberrações e acabaram por consagrar a denominação “irmãos siameses” àqueles que nasciam ligados fisicamente por alguma parte do corpo. Suas habilidades de equilibristas atraíram as atenções de empresários circenses, que os levaram para a Inglaterra e, de lá, para a América. Casaram-se, sim, com duas irmãs, e tiveram 21 filhos, em plena Carolina do Norte. A partir daí, o resto é ficção. Como se precisasse.