Antes do primeiro capítulo do romance Na América (Companhia das Letras, 482 págs., R$ 37,50), Susan Sontag escreveu um “capítulo zero”, no qual descreve seu processo de criação. Por demais explicativo, arrasta o leitor por 33 desanimadoras páginas. Mas os que vencerem este obstáculo terão o prazer de reencontrar Sontag em boa forma no transcorrer da história. A estrela é uma atriz de teatro polonesa que, em 1876, decide abandonar seu país para reinventar a vida no continente americano. Apesar de o título situar a trama em lugar definido, o que esse romance menos tem é América. Sua prosa ilumina, de fato, a alma de Marina Zalenska, bisbilhotando os recantos mais secretos dessa figura, sequiosa de láureas e de doação total à arte, ao mesmo tempo que fala sobre a essência dos atores.

Sob esse enfoque, aparecem críticas aos Estados Unidos e seu povo. “Não existe respeito pela cultura, pelo teatro. Tudo o que eles querem é entretenimento plebeu”, diz Marina. Quando Ryszard, escritor e amante da protagonista, brada ser grato à América, “um país louco o bastante para declarar que a busca da felicidade é um direito inalienável”, a autora lembra que a felicidade está fadada a obedecer o padrão de excelência americano.

Vencedor do National book award do ano passado, o livro fala de uma atriz que, sendo apontada como a maior de seu país, se sente sem desafios a vencer, com reputação claudicante. Ela, então, convence alguns amigos a viajar para os Estados Unidos e a fazer coisas diferentes. Antes de aportar em Nova York – “cidade arrogante, suarenta, estreita e cheia de si” –, eles vivem em uma comunidade rural na Califórnia. De volta às artes cênicas, Marina reconquista o sucesso, mas entende que, diferentemente de Paris ou Viena, na América o público quer textos que os distraiam e não que os elevem. Aos poucos, os amigos vão se separando, o marido de Marina parte para uma suposta vida homossexual, o amante preterido casa com outra, o ex-marido envelhece rapidamente. Felizmente, sempre restará um bom texto de Shakespeare e uma multidão disposta a afagar o ego de quem representa o mundo com mais emoção do que, de fato, tem.

 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias