A estação quente é a mais esperada do ano. Não é à toa que a temporada, com início no dia 21 de dezembro, é caracterizada por lançamento de modas. Já tivemos o verão do fio-dental, do topless e do silicone. Agora, os médicos torcem para que esta seja a vez da prevenção. Os especialistas não negam à população o direito de ter um lugar ao sol na praia, à beira da piscina, no campo ou nos parques das cidades. O que se pretende neste trimestre é garantir que o brasileiro passe a ficar mais atento aos possíveis resultados do abuso da exposição solar neste período. As consequências podem ser micoses, alergias, intoxicações alimentares, queimaduras e até o desenvolvimento de cânceres (descubra mais riscos no quadro ao lado). Não se trata de desmanchar o prazer propiciado pela época. “Este é um país tropical e as pessoas gostam bastante do verão. O que a gente pode fazer é pedir mais responsabilidade na hora de aproveitar a estação”, afirma o dermatologista Francisco Paschoal, professor da Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo.

Para curtir o verão não é necessário abdicar do lazer nos dias quentes. Muito pelo contrário. Até porque é sabido que o sol traz benefícios para as pessoas. Tomar um banho luminoso nas primeiras horas da manhã ajuda o corpo a sintetizar a vitamina D, uma das responsáveis pelo fortalecimento dos ossos. Além disso, os raios solares trazem alegria, contribuindo para espantar o fantasma da depressão, um problema comum atualmente. “A natureza é sábia. Nós precisamos aprender a usá-la com bom senso”, afirma o cirurgião oncológico Francisco Belfort, do Instituto Brasileiro do Controle do Câncer. Ser sensato na hora de se expor ao sol é uma maneira de evitar o surgimento do câncer da pele, uma doença que está crescendo no mundo inteiro, inclusive no Brasil. De acordo com Belfort, a razão para esse fenômeno reside em alguns aspectos dos tempos modernos. As pessoas mudaram de hábito e estão usando roupas mais curtas do que há 20 anos. Elas também se bronzeiam mais. E o buraco na camada de ozônio, que protege a Terra da ação danosa do sol, está maior.

Melanoma – A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) estima que no País 100 mil novos casos de câncer da pele surgem por ano. Nesse período, mil pessoas morrem da doença, provocada principalmente pelo excesso de exposição aos raios solares ultravioleta (UVA/UVB). Entre os tipos de câncer cutâneo, o que mais preocupa é o melanoma, tumor maligno que se manifesta em forma de pinta na pele. Esse mal está se alastrando de modo impressionante. A incidência do mal cresce 5% a cada ano. Em 1975, registrava-se no mundo a proporção de um caso entre 1.500 brancos (população mais suscetível à lesão). Em 2001, nos Estados Unidos, calcula-se que essa proporção seja de 1 para 75. Os cientistas ainda desconhecem a exata relação entre o melanoma e os raios solares. Mas ela existe. “Acredita-se que o sol produza mutações nos melanócitos, as células produtoras da melanina, substância que dá pigmento à pele. As queimaduras constantes são como uma série de insultos que transformam um cara bonzinho em bandido”, compara Antônio Buzaid, oncologista clínico e diretor executivo do centro de oncologia do hospital Sírio Libanês, de São Paulo. Pessoas até os 15 anos costumam ter queimaduras intensas e correm mais riscos de desenvolver melanomas.

Deparar-se com histórias de melanomas e carcinomas (tipo mais comuns de câncer cutâneo, caracterizados por manchas, feridas que não cicatrizam e descamações persistentes) é muito triste. Não apenas porque são doenças que podem levar à morte. Mas porque existem formas de prevenir o problema. “É o único câncer do qual sabemos a causa (o excesso de exposição) e quem corre risco de desenvolvê-lo. Se os problemas forem detectados no início, as chances de cura são muito grandes”, assegura o médico Marcus Maia, coordenador do Programa Nacional do Controle do Câncer da Pele, ligado à SBD. É por isso que as campanhas de prevenção se multiplicam pelo Brasil. A maioria delas chama a atenção para a necessidade de se fazer um exame periódico no corpo, principalmente entre aqueles que se encaixam no grupo de risco. Homens e mulheres com histórico de câncer na família, de pele e olhos claros, que dificilmente se bronzeiam, com sardas no rosto e nos ombros ou múltiplas pintas estão nessa lista. A pessoa, nua, deve examinar, diante do espelho, todas as partes do corpo, dos pés à cabeça.

Para evitar problemas no futuro, convém seguir as recomendações dos especialistas. As mais simples são fugir do sol entre 10h e 15h e usar chapéu ou boné e camiseta quando estiver exposto aos raios. Mas a maioria dos veranistas não gosta de adotar esse visual e acaba optando pelos protetores solares. Quem pensa que basta besuntar-se de cremes para estar seguro, engana-se. É fundamental escolher o protetor certo para o tipo de pele (leia à pág. 102), aplicá-lo no corpo 20 minutos antes de tomar sol e repetir a “dose” de duas em duas horas. A dica é preciosa principalmente para crianças (mais orientações abaixo).

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Cuidados como esses não se destinam somente para aqueles que temem o câncer da pele. Valem para quem simplesmente não quer sofrer com vermelhidões e inchaços, caso do comerciante iraquiano Jalau Chaya, que mora em São Paulo. Durante férias no Nordeste, ele se paramentou de boné e camiseta para passear de jangada. “Deixei a nuca desprotegida. A pele ardia tanto que eu não conseguia dormir direito nem tomar banho”, lembra. Depois da desventura, o comerciante procurou um dermatologista para aprender a se proteger com bloqueadores. Assimilou tanto a lição que a transmitiu para a filha Stephanie. “Nunca mais passei mal”, diz. Já os mais vaidosos devem se resguardar do sol porque os raios ultravioleta, principalmente o UVA, provocam o envelhecimento da epiderme, facilitando o surgimento de rugas. De acordo com a dermatologista Mônica Fiszbaum, de São Paulo, 85% das rugas surgem por causa do sol. Não é só isso. A ação solar também pode causar manchas e sardas (que podem se transformar em melanoses e querastoses, lesões pré-cancerosas). “Há uma imposição cultural em relação ao corpo bronzeado. Ele é bonito, mas o bronze não deixa de ser uma resposta do organismo à agressão contínua do sol. Se houver abuso, a consequência é cruel inclusive pelo lado estético”, afirma o dermatologista Paschoal. Outra resposta do corpo à ação excessiva do sol é o prurigo. A pele fica cheia de bolhinhas vermelhas que coçam intensamente. Para se defender dos raios, o organismo produz mais queratina, uma proteína existente na epiderme que atua como barra protetora. “Quando ela se prolifera demais provoca obstrução nos poros de eliminação do suor que, ao ficar retido, desencadeia uma reação inflamatória”, ensina a dermatologista Ediléia Bagatin, da Universidade Federal de São Paulo. A obstrução dos poros pode ainda provocar acnes e cravos.

Os consultórios médicos costumam receber no verão esses e outros problemas. Em janeiro, a bancária Ana Paula Cheda, 26 anos, procurou ajuda assim que percebeu o corpo coberto de minúsculas espinhas. Era dermatite acnéica, uma reação alérgica. “Descobri que tenho alergia a um determinado componente do filtro”, recorda-se. Ana Paula teve de tomar medicamento, mas ficou com a pele marcada. Ela agora usa diariamente um protetor solar importado, que custa cerca de R$ 50. “É caro, mas não me arrisco mais”, diz. Comprar um bloqueador é dispendioso mesmo. Para proteger-se bem é necessário recorrer diversas vezes aos produtos. As jogadoras de vôlei de praia Adriana e Shelda, ganhadoras da medalha de prata nos Jogos Olímpicos deste ano, têm um verdadeiro arsenal, composto de várias marcas. São bloqueadores, filtros, protetor para os lábios, hidratante para cabelo e loções pós-sol. Shelda não tem idéia de quanto gasta. “É uma boa grana”, emenda. A dupla, que passa uma média diária de cinco horas sob os raios ultravioleta, teme o câncer e outras lesões. “É muito tempo no sol. Preciso me cuidar”, comenta Adriana. Shelda afirma ainda que as novidades nesse mercado surgem sempre. O dermatologista Walter Guerra Peixe, médico de estrelas como Vera Fischer e Paula Toller, confirma. De acordo com ele, logo estarão disponíveis no mercado brasileiro produtos como um bastão feito à base de ácido aminolevunico, substância que seria capaz de tratar lesões pré-cancerígenas, e uma pasta incolor, cuja formulação inclui água, que bloqueia os raios sem deixar o banhista “maquiado” de branco.

Tanta evolução, entretanto, não chega facilmente às mãos da população carente. O ambulante Givaldo Valentim Carneiro, que há dois anos vende cangas na orla de Ipanema, por exemplo, passa protetor comum apenas no rosto, mesmo exposto o dia inteiro ao sol. Ele pendura as cangas em volta de um enorme guarda-sol e assim caminha pela areia. “Não penso em doenças. Sei que elas existem. Espero que nada aconteça comigo”, declara. Gente como Carneiro muitas vezes apela para soluções caseiras, mais um perigo que ronda o verão. No Rio, o Centro de Tratamento de Queimados do Hospital do Andaraí está atendendo em 2000 mais vítimas do bronzeador “natural” do que em 1999. Em outubro passaram pelo local 35 jovens, o mesmo número de pacientes do ano passado inteiro. O maior causador de queimaduras é o condenável chá de folha de figo. “Muitas garotas chegam ao hospital porque misturam o chá no óleo. E a substância continua atuando mesmo quando a pessoa não está exposta ao sol”, alerta o cirurgião Luiz Guimarães Júnior, chefe do centro. O médico pede atenção com limões e bebidas do tipo cola que, ao respingarem no corpo, podem acarretar queimaduras.

Praias – Em virtude da má conservação da orla marítima, quem frequenta praias está sujeito a mais dois perigos: o bicho geográfico e a micose. O primeiro é provocado por uma larva originária das fezes de cães e gatos. O bicho fica na areia e penetra na epiderme do banhista incauto (que anda descalço ou que se deita sem o uso de toalhas ou esteiras). Ele se instala no pé, nos braços ou nas costas e vai cavando um tunelzinho na pele. E causa uma coceira infernal. Há duas semanas a estudante paulista Beatriz Rivato, 14 anos, viveu esse drama. Ela esteve numa excursão à Ilha Grande (Rio), onde andou descalça durante muito tempo, e na volta para casa sentiu os comichões. “Achei que tinha sido picada por borrachudo na sola do pé”, afirma. Para eliminar o problema, a estudante tomou remédios e aplicou pomadas na área atingida. Já a micose é causada por fungos, que encontram no calor e na umidade as condições de se alastrarem. Para prevenir-se, o ideal é andar de sandálias e chinelos o tempo todo. Na Bahia, os casos de micose e bicho geográfico lotam os serviços públicos. “A contaminação se agrava porque não há tratamento adequado da areia, como revolvê-la periodicamente e recolher dejetos”, lamenta-se a dermatologista Ariene Paixão, professora da Faculdade Baiana de Medicina. O verão descuidado não ameaça somente a pele. Esta é a época do ano em que aumentam os casos de intoxicação alimentar. O forte calor favorece a proliferação de bactérias, principalmente em produtos que ficam fora da geladeira. “A intoxicação é sempre grave. Há uma bactéria no organismo e ela precisa ser eliminada por meio de vômitos e diarréia. Quando não é eliminada totalmente, o problema pode virar uma infecção”, explica a nutricionista Tânia Rodrigues, de São Paulo. A ocorrência dessas intoxicações é mais comum em ambientes com condições sanitárias precárias. Se a diarréia for muito forte, é importante hidratar o corpo. “Quem costuma viajar para lugares sem infra-estrutura deve levar sal e açúcar. Com uma pitada de sal e uma colher de sobremesa de açúcar num copo de água faz-se o soro caseiro”, orienta. É recomendável ainda evitar alimentos que estragam facilmente, como maionese e embutidos (salsichas, por exemplo). É bom comer frutas e legumes frescos e tomar água-de-coco, que contém minerais (que se perdem com o excesso de transpiração).

Olhos e ouvidos também merecem atenção neste trimestre. Por causa dos dias quentes, a água da piscina e a do mar se tornam irresistíveis. Dar umas braçadas, óbvio, faz bem para o corpo. Para algumas pessoas, porém, o risco de desenvolver otites (inflamações no ouvido) e conjuntivites (infecção ocular) é grande. Em Brasília, cidade repleta de piscinas, muitos mergulham mesmo debaixo de temporal (comuns no verão do Distrito Federal). “Quem passa horas na água, como as crianças, é sério candidato a inflamações”, garante o otorrinolaringologista Remy Toscano, que dá dicas de prevenção. A primeira é verificar a qualidade da água. É importante consultar os responsáveis pelo tratamento da piscina. A pediatra Juliane Lauar leva o pequeno Vítor, dois anos, para nadar numa piscina coberta em que há controle diário de água. “Levo meu filho para a academia desde o começo do ano. Ele nunca teve problemas”, afirma. Os usuários não devem permanecer na água por longos períodos. Convém diminuir mergulhos à medida que o número de banhistas aumenta. Toscano não aprova tampões. Mal colocados, eles podem ferir a parte interna do ouvido. “A cera é proteção natural”, acrescenta.

Previsão – Todos esses problemas ocorrem com mais frequência no verão devido à maior incidência dos raios solares e às altas temperaturas. Mas eles podem surgir em qualquer época. Especialmente em regiões banhadas intensamente pelo sol ao longo do ano. A meteorologia, entretanto, traz um alento. Para uma parte do Brasil a estação não será tão quente e seca como nos dois últimos anos. Ou seja, este verão pode ser mais agradável do que o anterior. “Mas no Nordeste e no Centro-Oeste a temperatura ficará um grau acima da média”, prevê Ana Lúcia de Macedo, sócia do site Climatempo (www.climatempo.com.br). Os especialistas calculam também que choverá menos nos Estados de Sergipe, Pernambuco e da Paraíba. O clima estará um pouco mais chuvoso do que o normal no Rio e em Minas. “As águas do oceano Atlântico estarão com temperatura acima da média perto da costa da região Sudeste. Elas vão evaporar mais e provocarão mais chuvas”, esclarece a meteorologista Ana Lúcia. Isso não é motivo para desânimo. Quando o sol voltar, é só seguir as orientações dos médicos. Ser cuidadoso é a garantia de que o corpo estará bem preparado para outras temporadas.


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