O pentecostalismo ingressou no Brasil há exatos 90 anos. O retrato desse nonagenário, contudo, em nada lembra a implacável e deletéria ação do tempo nos seres humanos de sua idade. O fato é que ele nunca esteve tão vigoroso e triunfante como nestas últimas décadas. Além de crescer vertiginosamente na América Latina, onde só perde em tamanho para o catolicismo, avança acelerado em diversas sociedades em desenvolvimento do Leste e Sudeste asiático, do Sul do continente africano e do Pacífico.

O Brasil abriga cerca de 16 milhões de pentecostais e cinco milhões de protestantes tradicionais. São 21 milhões de evangélicos, ou 12,5% da população. O boom evangélico é de inteira responsabilidade do pentecostalismo. Entre 1980 e 1991, os pentecostais cresceram 12 vezes mais que os protestantes. Enquanto as denominações protestantes, com exceção da Batista, encontram-se estagnadas, as pentecostais conquistam atualmente a extraordinária cifra de mais de um milhão de novos adeptos por ano. A maioria dos quais concentra-se nos estratos mais pobres, menos escolarizados e na população negra.

Não obstante ter provocado radical transformação no campo religioso brasileiro ao dilacerar o monopólio católico e fomentar a “pentecostalização” de segmentos protestantes e católicos, a avalanche pentecostal não influi apenas na esfera religiosa, nem se refere tão-somente a uma disputa entre credos religiosos por mais fiéis, mais recursos e mais poder. Repercute igualmente na vida pública. Basta atentar para seu crescente ativismo político de centro-direita no espectro partidário, sua extensa presença na mídia eletrônica e sua desinibida participação em empreendimentos com fins lucrativos. Vide a Rede Record, que, apesar de comprada com o dinheiro dos fiéis para levar às massas a versão de Edir Macedo do Evangelho, veicula programação e ostenta objetivos eminentemente comerciais.

Se o propósito de liberais, positivistas e republicanos, ao defenderem a separação constitucional entre Igreja e Estado na segunda metade do século XIX, era reduzir a religião à particularidade das consciências individuais, vê-se aí que isso não ocorreu. A liberdade religiosa resultante da instituição, em 1890, da laicidade do Estado, propiciou a formação e expansão de um mercado religioso pluralista. E o consequente acirramento da concorrência nesse mercado acabou incitando seus agentes a empregar estratégias frequentes no mundo dos negócios. Daí a eleição de representantes das igrejas ao Parlamento para defender seus interesses corporativos, o uso de rádio, tevê e de técnicas de marketing para ofertar seus serviços mágico-religiosos e maximizar a atração de novas clientelas, ao que se soma a gestão empresarial dos bens de salvação e da administração eclesiástica. Os pentecostais, na esteira do “lobby da batina”, instrumentalizam sua atuação na esfera pública para reforçar seu desempenho no mercado religioso, e vice-versa.

Cesar Itiberê/Folha Imagem

Edir Macedo Fenômeno na mídia e investimentos comerciais

Como a influência dessa grande minoria religiosa repousa acentuadamente em seu sucesso numérico, cumpre analisá-lo. Só no âmbito católico há pelo menos quatro respostas para esta indagação. Uma delas diz que o pentecostalismo cresce porque ocupa o espaço vago aberto pela incapacidade de o catolicismo romano saciar a “sede de Deus” do povo. Outra, de teor conspiratório, acusa os governos de direita e a CIA de estimularem o crescimento dessa religião alienante para frear a expansão da igreja progressista. Já a ala conservadora sugere que os pentecostais se aproveitaram da excessiva politização da Igreja Católica, que, embalada pela Teologia da Libertação, teria deixado órfão seu rebanho. Categórico, o papa João Paulo II, quando esteve no Brasil em 1991, afirmou que são “a ignorância religiosa e a carência de doutrina que deixam o povo vulnerável à sedução das seitas”. Para o pontífice, os que aderem ao pentecostalismo o fazem por ignorar a fé católica. Como se vê, as respostas católicas, além de focadas no próprio umbigo, são pouco consistentes, nada convincentes.

Na academia, a resposta de maior destaque associa o crescimento pentecostal com a modernização socioeconômica, responsável pelo êxodo rural de milhões de pessoas, que, largadas à própria sorte nos centros urbanos, perdem sua identidade, seus referenciais de comportamento e sofrem severa privação social. As igrejas pentecostais, segundo essa tese, crescem por se ajustarem às crescentes demandas das massas de migrantes pobres em busca de um refúgio fraternal que lhes ofereça redes de segurança e solidariedade, ajuda para reorganizar a vida e lidar com a pobreza. Enquanto não findar a modernização econômica, as mudanças socioculturais e, com isso, os graves problemas geradores das demandas atendidas pelo pentecostalismo, essa religião continuará crescendo. No limite, é como se a transformação social, a anomia e a exclusão social fossem as verdadeiras responsáveis pela expansão pentecostal.

Posto que as igrejas pentecostais apresentam crescimento radicalmente desigual, as razões de seu sucesso ou fracasso decorrem das diferenças internas existentes entre elas. Os processos de mudança macroestrutural e os péssimos indicadores sociais do País não elucidam a enorme diferença entre o crescimento da Universal e das demais igrejas. A explicação, portanto, deve repousar na análise da organização denominacional, do clero, da mensagem e das técnicas evangelísticas. As igrejas que mais crescem trabalham incansavelmente, realizam vários cultos diários, mobilizam os fiéis para evangelizar, arrecadam muito, investem seus recursos na abertura de templos, na pregação eletrônica e no sustento dos pastores, que trabalham em período integral, ofertam uma profusão de serviços mágico-religiosos e prometem o paraíso na Terra. A Igreja Católica parece ter aprendido a lição, tanto que perdeu de vez a inibição de imitar os concorrentes de sucesso.