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Exposições das obras do escultor e arquiteto mineiro Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), têm duas redundâncias. A primeira: são belíssimas. A segunda: são polêmicas. Não é diferente com a mostra Aleijadinho e seu tempo – fé, arte e engenho que será aberta no dia 28 em São Paulo, no Centro Cultural Banco do Brasil – ela atraiu mais de um milhão de visitantes no Rio de Janeiro e em Brasília. A sua beleza é óbvia: Antônio Francisco Lisboa é comparado a Michelangelo e a exposição de 208 peças traça um panorama da "civilização do ouro"
– dele, destacam-se 20 obras, como a excepcional Nossa Senhora das Dores, além de desenhos, ornamentos de capela, dosséis e captéis. Quanto às eternas polêmicas se determinada obra é ou não de Aleijadinho, foi pega para Cristo, desta vez, uma escultura que leva até essa palavra em seu nome: Cristo da Ressurreição. Ela é uma das prediletas do público, mas não teve até agora a sua autoria comprovada – é apenas atribuída ao escultor, não existindo provas concretas como recibos ou outros documentos que indiquem a sua procedência. Não são poucos os especialistas que questionam a autenticidade, e entre eles está a pesquisadora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, autora do livro O Aleijadinho e sua oficina.

Curador da mostra, o ex-conservador- chefe do Masp Fábio Magalhães explica que selecionou esse Cristo porque ele já foi atribuído um dia a Aleijadinho. Na linguagem dos técnicos, isso significa que baseado em características recorrentes nas obras do escultor (leia quadro) algum estudioso chancelou um laudo atestando a validade. E quem fez isso foi ninguém menos que o historiador de arte e ex-curador do Museu do Louvre, o francês Germain Bazin. "Se observarmos o panejamento, a expressão e a sensualidade, vemos que são as mesmas que Aleijadinho dava às suas peças", diz Magalhães. "Que grande artista conseguiria isso? Acho que Aleijadinho e só Aleijadinho, ou então algum outro que desconhecemos até agora." Estudioso das artes plásticas do Brasil Colonial, período que engloba o barroco mineiro, o historiador Dalton Sala tem dúvidas. Ele nos dá uma análise meio que lombrosiana: "O cânone de Aleijadinho é o corpo curto e atarracado. Esse Cristo é longilíneo, parece El Greco.

Ele é provavelmente carioca, encontrei diversas imagens parecidas no Rio." Ao ser apresentada no Petit Palais de Paris na mostra Brasil Barroco – entre o céu e a terra, em 1999, a autenticidade dessa peça foi posta sob suspeita pelo colecionador paulista Renato Whitaker, dono do maior número de obras do escultor mineiro: 52 peças.

 

 

 

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Na época, Whitaker teria blasfemado, seguindo a opinião de Ângelo Oswaldo de Araújo (hoje prefeito de Ouro Preto): "Esse Cristo é ruim e bexiguento." O seu proprietário, o colecionador paulista Antônio Maluf, processou Whitaker por perdas e danos, alegando que aquela declaração fez um cliente desistir da compra da obra. Esse processo se arrastou por seis anos e no final do ano passado Whitaker ganhou a parada em Brasília no Supremo Tribunal Federal. O curioso é que na defesa de um e de outro estavam as vozes conflitantes de Fábio Magalhães e Dalton Sala – Magalhães apoiando Maluf, Sala do lado de Whitaker. "Fui convidado a ceder peças para essa exposição atual, mas quando fiquei sabendo que esse Cristo seria incluído, recusei. Como não posso ser processado pelo mesmo crime, continuo achando ele ruim e bexiguento", diz Whitaker. Controvérsias à parte, o certo é que o visitante da mostra terá a oportunidade de ver de perto algumas peças de excelência indiscutível, caso da comovente imagem do Senhor dos Passos, estátua de roca (de vestir) que mostra Cristo a caminho do Calvário e que raramente passeia – é grande a burocracia para tirá-la do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra, na cidade mineira de Mariana.