Após quase uma década de bonança, a indústria da construção civil começa a enfrentar o que parece ser uma tempestade perfeita, que promete ser longa, agressiva e com potencial para deixar um rastro de destruição raras vezes visto no setor. Além da crise econômica que vai reduzir o Produto Interno Bruto brasileiro em até 2% neste ano, as construtoras e incorporadoras estão pagando o preço pelos anos de euforia que dominaram o setor a partir de 2006. Depois de quase duas décadas de estagnação, a indústria se transformou no início dos anos 2000 com a ampliação do crédito para o consumidor e a entrada de várias delas no mercado de capitais. De pequenas empresas familiares, em poucos anos as construtoras se transformaram em potências que lançavam dezenas de milhares de imóveis novos a cada ano.

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VAZIO
Mesmo com descontos generosos volume de vendas caiu no primeiro semestre

A aparente falta de cautela com a crise que se avizinhava fez com que o setor pisasse no freio de maneira brusca. Só no primeiro semestre deste ano, mais de 300 mil trabalhadores já perderam o emprego no setor. Entre as companhias com capital aberto na BM&F Bovespa, houve uma queda no lucro acumulado de 98% apenas no primeiro trimestre desse ano.

A rentabilidade vem despencando por conta dos descontos generosos oferecidos nos imóveis novos – que já estão construídos ou ainda em construção – mas que permanecem sem dono. Só na cidade de São Paulo são 28 mil deles à espera de um comprador. No jargão do setor imobiliário esse volume de imóveis a ser vendido é conhecido como estoque. Nunca na história da indústria ele foi tão grande como agora. “Há 10 anos esse estoque não chegava a 20 mil unidades”, diz Cláudio Bernardes, presidente do Secovi, o sindicato que reúne as incorporadoras e as imobiliárias.

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CAUTELA
Mauro Dottori, da MPD Engenharia, já adiou três lançamentos neste ano

Empolgadas com o ritmo de vendas inédito, muitas empresas simplesmente parecem terem ignorado os sinais que mostravam que o país caminhava para uma desaceleração e que, claro, a demanda começava a dar sinais de fadiga. Algumas companhias, como a PDG Realty, que perdeu mais de 70% do valor de mercado entre o ano passado e esse primeiro semestre, tem um estoque equivalente a dois anos de venda. A Rossi, que viu suas ações derreterem quase 80% só neste ano, tem apartamentos em estoque equivalentes a mais de quatro anos de vendas. Não à toa, as companhias reduziram em quase 30% os lançamentos nos quatro primeiros meses do ano. Empresas como a Tecnisa, por exemplo, não colocaram nenhum novo projeto na praça.

Mauro Dottori, presidente da MPD Engenharia, uma construtora e incorporadora que atua na Grande São Paulo, se diz otimista, apesar da crise. “Olhamos para o meio copo cheio, não o meio copo vazio”, diz ele. No entanto, assim como seus pares, decidiu adiar três lançamentos neste ano. “O mercado precisa absorver o estoque que possui”, diz ele, mostrando que, mesmo otimismo, o momento é para cautela.

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Com o caixa apertado, as construtoras agora se preparam para enfrentar um período de retração que ninguém sabe ao certo quando vai se encerrar. Há quem diga que a partir de 2017 o estoque já tenha se reduzido e as empresas voltem a apostar nos lançamentos. Ao menos aquelas que conseguirem sobrevier à tempestade. Em tempos de inflação alta, PIB em baixa e uma ânsia ortodoxa para ajustar as contas desequilibradas praticamente ninguém acredita que o governo estará disposto a jogar uma bóia aos afogados.

Fotos: Marcelo Justo/ Folhapress; Osmar Moda