A continência militar que alguns atletas brasileiros têm feito nos Jogos Pan-Americanos de Toronto provocou uma falsa polêmica na semana passada. Teorias conspiratórias foram apresentadas como verdadeiras e uma série de debates raivosos movimentou as redes sociais. Mas a explicação para o gesto no Canadá é muito mais prosaica do que parece à primeira vista. Dos 590 atletas da delegação nacional presente em Toronto, 123 são militares (confira quadro). A incorporação desses atletas às Forças Armadas ocorreu num contexto em que o Brasil, escolhido para sediar a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, precisa reforçar o investimento no alto rendimento, a exemplo do que fazem países como Alemanha, França e Itália. Por meio de uma parceria com o Comitê Olímpico do Brasil (COB) iniciada em 2009, e que tinha como objetivo melhorar também a posição do País nos Jogos Militares de 2011, atletas foram selecionados pelo Programa de Alto Rendimento do Ministério da Defesa. Eles receberam treinamento militar básico e passaram por períodos de instrução sobre os códigos de conduta. Desde então, recebem soldo (cerca de R$ 4 mil mensais) e têm acesso a locais de treinamento, comissão técnica, plano de saúde, atendimento médico, odontológico, fisioterápico, alimentação e alojamento. Como militares, eles também são orientados adotar alguns dos gestos típicos das Forças Armadas, entre eles a continência à bandeira e ao hino nacional brasileiro ou de países amigos.

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DIFERENTES
As brasileiras da natação e os Panteras Negras:
uma coisa não tem nada a ver com a outra

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“É por respeito”, diz a nadadora Graciele Herrmann, medalha de bronze com o revezamento 4×100 m livre feminino do Brasil. “Não recebemos ordem de prestar continência, mas fazemos em respeito à pátria.” Ao lado dela, no pódio, Etiene Medeiros, Daynara de Paula e Larissa Martins repetiram o gesto. No judô, atletas como os medalhistas de ouro Tiago Camilo e Charles Chibana e a medalhista de prata Mayra Aguiar também fizeram a continência. O Comitê Olímpico Internacional (COI), que veda publicidade ou atos políticos em competições da entidade, não se manifestou. É pouco provável, no entanto, que haja algum tipo de censura. Para o COB, o gesto também não tem qualquer significado ou mensagem oculta. “A continência, além de regulamentar, quando prestada de forma espontânea e não obrigatória, é uma demonstração de patriotismo, sem qualquer conotação política, perfeitamente compatível com a emoção do atleta ao subir no pódio e se saber vencedor”, afirmou o comitê em nota.

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Na Olimpíada de 1968, na cidade do México, entrou para a história um gesto feito no pódio da prova dos 200 m rasos, uma das mais nobres do atletismo. Durante a execução do hino, os americanos Tommie Smith, ganhador do ouro, e John Carlos, medalhista de bronze, baixaram a cabeça e ergueram o punho (direito e esquerdo, respectivamente), vestido com uma luva preta, repetindo a saudação dos Panteras Negras, organização de luta e defesa dos negros nos Estados Unidos. A década de 1960 foi especialmente atribulada para os negros americanos. Os ativistas Martin Luther King e Malcolm X foram assassinados. Os abusos por parte da polícia, especialmente em estados do sul racista, eram constantes. A luta pelos direitos civis era travada com violência. É por isso que a atitude desses esportistas dos EUA, que chegaram a cogitar o boicote aos Jogos de 1968 – mas que preferiram usar o evento para protestar – não pode ser comparada a um gesto simples – e justificável – de muitos atletas brasileiros.

Fotos: Mark Humprey/ APP Photo